Por um lado, a sucessão da presidência do Legislativo, por outro, a continuidade da crescente participação política do Judiciário
A mais nova adição à lista de crises institucionais brasileiras tem se desdobrado de forma especialmente tensa. A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita poderes de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Senado na última quarta-feira, 22, tem dois pontos de preocupação. Primeiro, a inesperada aprovação da PEC pelo líder do governo na Casa; segundo, a reação dos ministros do Supremo.
Em Goiás, os representantes votaram de forma mais ou menos previsível: Vanderlan Cardoso (PSD) e Wilder Morais (PL) aprovaram a proposta, e Jorge Kajuru (PSB) a rejeitou. Após a repercussão negativa, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), justificou seu voto no X (Twitter): “Esclareço que meu voto na PEC que restringe decisões monocráticas do STF foi estritamente pessoal, fruto de acordo que retirou do texto qualquer possibilidade de interpretação de eventual intervenção do Legislativo”.
Outros membros da base governista aprovaram a proposta, e motivaram o repúdio do vice-líder do governo, Lindbergh Farias (PT-RJ). O senador publicou: “Chancelar essa manobra oportunista do Pacheco e Alcolumbre que querem fazer média com bolsonaristas é um erro.”
A crise foi longamente anunciada. Em 8 de outubro, esta coluna publicou: “Se a questão parece técnica demais para mover uma crise institucional, é porque é mesmo. O conflito jurídico é um pretexto para a sucessão à presidência da Câmara e Senado. Pacheco quer consagrar na cadeira da presidência o articulador que é o dono de fato de seu mandato: Davi Alcolumbre, do UB.”
“Em busca de apoio para sua sucessão, Pacheco tem se voltado para alas bolsonaristas do Senado, cuja principal campanha sempre foi contra o STF. A ideia de que o Supremo precisa ser contido foi a plataforma de Jair Bolsonaro (PL) em 2022, e agora, quando a cadeira do presidente do Senado se torna foco de interesse também da base governista, passa a ser plataforma de Pacheco. Não importa que o UB tenha nada menos que três ministros no governo e que o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), tenha sido apontado pelo próprio Pacheco.”
A reação do STF foi dura, e acabou reforçando a imagem de autoritarismo que a PEC supostamente combate. “Esta Casa não é composta por covardes, esta casa não é composta por medrosos”, declarou Gilmar Mendes. O ministro disse ainda que a Alta Corte está preparada para “enfrentar investidas destemidas e inconstitucionais”. Alexandre de Moraes afirmou que a Corte reagirá com “coragem”. Segundo Luís Roberto Barroso, o STF está sob ataque porque prestou um papel de enfrentamento ao “negacionismo” nos últimos anos.
Como réplica, o STF já avalia julgar a inconstitucionalidade da PEC que limita poderes da Corte. Isso só poderá acontecer se, na Câmara, deputados contestarem a PEC via mandado de segurança, pois o STF só age se for provocado. Mas será feito “rapidamente”, segundo teria afirmado um ministro do Supremo ao blog de Gerson Camarotti, no G1.
E, na tréplica, já fica anunciada a continuação da infinita crise institucional brasileira: Pacheco promete insistir na PEC que fixa mandato para os ministros do Supremo. O movimento está sendo interpretado como mais um ataque motivado pela disputa à presidência do Senado. Davi Alcolumbre comunicou que vai definir na próxima semana o relator da PEC dos mandatos.
Por um lado, é fato que o STF foi intransigente na defesa da democracia nas últimas eleições, quando a lisura das urnas e a credibilidade da República esteve em cheque. Por outro lado, uma vez passado o risco, vemos que o presidente do STF insiste em aprofundar sua atuação política, ao fazer uma defesa da corte que se parece com o discurso de um candidato.
Ao contrário do que Barroso diz, o STF não está sob “ataque” por ter se oposto ao projeto de questionar as eleições movido por um candidato. A crise entre Executivo e Judiciário vem de muito antes do governo de Jair Bolsonaro, e temos matérias de jornal que nos ajudam a lembrar. Ainda no governo Temer, em 2018, o colunista do Globo, Carlos Andreazza, falou sobre a dificuldade do vindouro presidente. “É mais difícil governar sem o apoio do STF que do Congresso. Não apenas o STF, mas o Poder Judiciário.”
Na ocasião, Andreazza se referia a uma decisão da Justiça Federal de Pernambuco, que tinha suspendido a privatização da Eletrobras. “A Justiça não gostou da ideia de desestatizar a Eletrobras e interditou a Medida Provisória que promovia o estudo da privatização. Interrompem o trabalho, interferem na gestão, pautam a vida do Executivo. Não é só Michel Temer: Bolsonaro ou Alckmin, quem quer que ganhe terá no supremo um adversário político. Um ministro com poder monocrático é muito mais forte do que o PT, PSDB e MDB jamais serão. Esqueça falta de apoio do Congresso. O grande problema político e o caminho para ruptura institucional é o ativismo com claro viés ideológico em curso no STF.”
Fonte: Jornal Opção