Guerra dos 30 anos: gangues de Planaltina mataram centenas de pessoas

23 de Junho de 2023

Por mais de três décadas, Gangue do Pombal protagonizou cenas de terror em Planaltina. Desde 1990, criminosos matavam rivais e amedrontavam moradores. Operações policiais trouxeram mais segurança

Os números se comparavam aos de uma guerra. Em quatro anos, de 2014 a 2017, Planaltina — região administrativa do Distrito Federal de aproximadamente 190 mil habitantes — registrou 108 casos de assassinatos e tentativas de homicídio relacionados aos integrantes de uma das organizações criminosas mais perigosas do Distrito Federal: a Gangue do Pombal. O quantitativo equivale a 40% de todas as ocorrências de homicídios na área naquele período (286 no total). Mais de 30 anos depois, a disputa travada entre criminosos, desde a década de 1990, deixa resquícios. No entanto, o ambiente violento deu lugar à sensação de tranquilidade na região após as inúmeras operações desencadeadas pela Polícia Civil (PCDF) e pelo patrulhamento ostensivo da Polícia Militar, que resultaram na prisão de líderes e no enfraquecimento do grupo. Nesta reportagem, o Correio traz entrevistas com moradores e a identificação dos antigos integrantes da organização.

A Gangue do Pombal, também denominada pela sigla “CMM” (Crime, Morte e Maldição), surgiu cerca de 30 anos depois da construção dos primeiros loteamentos em Planaltina, em 1960. De maneira lenta, os criminosos se associaram e criaram outros grupos com nomes aleatórios que faziam menção ao bairro onde residiam, como, por exemplo, a Gangue da Quadra 16, do Buritis III, do Jardim Roriz e do Bola 10. Todos esses rivais da Gangue do Pombal.

As quadrilhas atuavam no tráfico de drogas, nas ameaças e nas práticas de homicídios, roubos e latrocínios. A delimitação de área foi um dos motivos para acender uma batalha sangrenta entre os grupos. Cada um deles tinha um território marcado para a venda de drogas, uma vez que a presença de integrantes rivais residentes de outros bairros era estritamente proibida. Não demorou muito para que as gangues se consolidassem na comunidade, a ponto de intimidar e aterrorizar moradores que em nada tinham relação com os conflitos. Prova do crescimento acelerado dos grupos foi a quantidade de armas apreendidas pelos investigadores da 31ª Delegacia de Polícia, unidade responsável pela área.

Submetralhadora foi apreendida em posse de um dos traficantes
Submetralhadora foi apreendida em posse de um dos traficantes

Um relatório policial obtido pelo Correio aponta que, de junho de 2013 a junho de 2017, a polícia retirou 29 armas de fogo das mãos da organização criminosa de Planaltina, sendo cinco espingardas, 13 revólveres calibre .38, quatro revólveres calibre .32, duas pistolas calibre .9mm, uma submetralhadora calibre .9mm, três pistolas calibre .40 e uma pistola calibre .380. A submetralhadora foi apreendida em janeiro de 2016 em posse de Juarez Luiz Lourenço, o Juarezinho, e que atuava na função de “coordenador” na Gangue do Pombal. O armamento de fabricação americana tinha alto poder destrutivo e capacidade para 40 munições.

Rota

As gangues mantinham um organizado esquema voltado à prática de crimes, com direito a regras, leis, posições, divisão de tarefas e punições. Em 2014, a 31ª DP deflagrou uma das maiores operações contra gangues na região e cumpriu 30 mandados de prisão preventiva, 33 mandados de busca e apreensão de adolescentes e 70 de busca e apreensão domiciliar. A operação causou enfraquecimento do grupo. Houve uma redução de 38% nos assassinatos e mais de 41% no total de ocorrências de homicídios (tentados e consumados) de 2013 a 2015.

A aliança entre as quadrilhas foi desfeita e o termo CMM perdeu força. Mas, mesmo após a ação policial, prevaleceu a Gangue do Pombal, que passou a atuar de maneira independente. Sob a liderança de Wanderson Jardim da Costa, conhecido como “Som”, o grupo “Rua da Adidas” delimitou funções e atuou de dentro do Complexo Penitenciário do DF, com esquema de transmissão de recados.

Gangue do Pombal
Guerra matou centenas de pessoas. Atualmente, os criminosos tentam movimentar o tráfico de drogas na região

O tráfico de drogas passou a ser o principal meio de subsistência para a compra de armas, carros, casas, pagamento de advogados e até mantimentos para as famílias dos membros. Os armamentos pesados também eram adquiridos com a venda dos entorpecentes nas bocas de fumo, como foi o caso da submetralhadora apreendida em posse de Juarez. “O tráfico de drogas gera o dinheiro fácil e rápido entre eles. Ali, é como se fosse por varejo. Eles (criminosos) se dividem em pequenas ‘biqueiras’ (ponto de drogas) e vendem crack, por exemplo”, afirmou o delegado-chefe da 31ª DP, Fabrício Augusto Paiva.

Cenário

O nível de organização e articulação entre os membros da Gangue do Pombal chamou a atenção da polícia. A quadrilha costumava promover reuniões para deliberar “ordens” e articular a compra de armas e a venda de drogas. O ponto de encontro era na “Quina da Adidas”, na Quadra 10 Conjunto E, e na “Toca”, nos Conjuntos B e D. 

Correio esteve na rua da “Adidas” e conversou com moradores. O local, anteriormente pouco frequentado pela própria comunidade, transformou-se em um ambiente onde as crianças ocupam as quadras de esporte e jogam bola na rua. “Aqui já foi o tempo em que todos se matavam. Eu não sentava na porta de casa como faço agora”, disse uma moradora que preferiu não se identificar.

A sensação de segurança veio depois das operações desencadeadas pela PCDF. Recentemente, em abril, a 31ª DP deflagrou a operação Livramento e prendeu cinco integrantes da Gangue do Pombal. Um mês depois, os investigadores chegaram ao encalço de outro criminoso que atuava na função de coordenador do grupo, identificado como Edgleuson. “Atualmente, nós temos um respaldo da sociedade, que reconhece e vê que o trabalho de longo prazo surtiu efeito”, destacou o delegado Fabrício.

01/09/2019 Crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press.Caminhada em protesto contra violencia com mulheres.Fabricio Augusto Machado, delegado da 31° DP, Planaltina
Delegado Fabrício Augusto é chefe da 31ª Delegacia de Polícia e comanda as operações contra a Gangue do Pombal

O delegado-adjunto da 31ª DP, Veluziano Castro, frisa a importância do trabalho contínuo. “É um serviço de prevenção constante, para evitar que eles (criminosos) se restabeleçam. Se não tivéssemos feito esse trabalho anteriormente, com certeza o grupo teria criado raízes e, talvez, se tornaria até uma facção, uma vez que a área passou a ser vislumbrada por criminosos de outras cidades do DF”, pontuou.

Uma idosa, de 72 anos, que prefere não ter o nome divulgado, mora há mais de 30 anos na região e faz uma análise. “Já vimos de tudo aqui: tiroteio, homicídios e o tráfico explícito. Uma vez, acharam que eu estava me relacionando com o namorado de uma das mulheres do grupo deles e quiseram armar uma casinha pra mim. Vieram na minha porta me chamar para tomar um café. Foi uma sensação de medo”, relata. Conversar com as vizinhas na porta da residência nem passava pela cabeça da moradora. “Não tínhamos essa tranquilidade”, desabafou.

Hierarquia

Até 2017, a “empresa do crime” tomou conta das ruas, dos becos, comércios e das avenidas. A Gangue do Pombal se dividia em quatro níveis de hierarquia (veja quem é quem): o líder, os coordenadores, os gerentes e os funcionários. Era papel do líder estabelecer a estrutura do grupo e determinar as ordens, além de fazer contato com os fornecedores de drogas e de armas.  Os gerentes mantinham contato direto com os coordenadores e fiscalizavam o monitoramento das ações policiais. Já os funcionários vendiam drogas e armas, guardavam os ilícitos e praticavam os ataques (homicídios e latrocínios). 

Entre os membros da Gangue do Pombal imperava um sistema rígido de normas. O “conjunto de leis” abrangia regras como o empréstimo de armas de fogo, o horário e o local do comércio de drogas e até pena de morte para aqueles que cometiam faltas graves, como era o caso dos delatores, devedores e ladrões de droga.

A queda

O chefe do grupo Wanderson esteve preso na Papuda por mais de cinco anos após ser condenado por organização e associação criminosa. Nesse período, também estava detido Mauro de Souza, o homem que viria a ocupar a chefia da Gangue do Pombal posteriormente. No período em que os dois estavam no cárcere, antigas lideranças coordenaram o tráfico de drogas na região.

Após Wanderson sair da cadeia, ele se mudou de Planaltina e deixou o posto. No cargo, Mauro era responsável por cooptar jovens para o esquema, ordenar assassinatos e atribuir funções a cada um para a venda de drogas. Por quase 12 anos, o traficante ficou atrás das grades depois de matar um PM aposentado.

Traficante morreu ao tentar assumir ponto de drogas da região
Traficante morreu ao tentar assumir ponto de drogas da região

Mauro aterrorizou moradores e deu poder aos traficantes menores para cometer crimes graves, como o homicídio de uma usuária de drogas conhecida pela comunidade como Marilândia Soares Prades. Após uma operação policial, em 9 de fevereiro deste ano, ela prestou depoimento como testemunha à polícia. Mas a oitiva da mulher chegou aos ouvidos de Mauro e, naquele mesmo dia, Marilândia passou a ser procurada pelos criminosos, sob a acusação de ter “entregado” os dois traficantes. Ela foi morta, dias depois, com uma facada no pescoço pelos traficantes.

Mas Mauro teve o mesmo fim em 17 de março deste ano. Ele foi assassinado a tiros por um dos membros da própria gangue em decorrência de uma discussão por arma de fogo. A região do Pombal é alvo de frequentes operações, principalmente contra o tráfico. O objetivo é diminuir ou zerar as chances de a região retornar ao que era antes.

Fonte: Correio Braziliense

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