Os impactos da saúde mental continuam sendo um problema latente na sociedade – apesar de extremamente comuns e relevantes, são pouco debatidos. De acordo com dados do Ministério da Previdência Social, em 2023, 288.865 benefícios foram concedidos por incapacidade devido a transtornos mentais e comportamentais. Os números são 38% maiores que os de 2022, quando foram contabilizados 209.124 benefícios. Além disso, no levantamento divulgado, o transtorno misto ansioso e depressivo é o 9º maior causador de afastamentos no País.
De acordo com a psicóloga Bruna Linhares, especialista em burn-out e bem-estar, a prevenção de quadros é o melhor caminho para que se evite a piora dos casos. “Burn-out é o que a tradução livre indica: uma queima completa do colaborador. O adoecimento voltado para o trabalho não se instala da noite para o dia, a chama queima aos poucos. Sinais aparecem até que se atinja o pico. É necessário estabelecer um caminho de prevenção. Priorizar a saúde mental como estilo de vida. Aprender lidar com as emoções e exigências internas”, informa ela.
Ainda, é muito mais oneroso para a empresa que o trabalhador se afaste do que desenvolver políticas de conscientização sobre saúde mental. De acordo com Linhares. “A empresa vai ter um custo muito mais elevado ao arcar com o afastamento. E, pior ainda: o colaborador pode vir a sofrer com comorbidades – como úlceras e obesidade”.
Para Emílio Peres, coordenador do Laboratório de Trabalho e Linguagem da Universidade de Brasília, existe um processo de agravamento das condições de saúde e vida dos trabalhadores do Brasil. “Esse agravamento está relacionado, especialmente, às formas de gestão e organização dos diferentes contextos de trabalho e a um consequente esgotamento mental das pessoas,” explica ele. “De forma global, esse esgotamento se relaciona a práticas de gestão produtivistas, que se pautam pelo controle excessivo do trabalho, centralização de decisões em gestores, determinação de metas irreais (tanto em quantidade quanto em prazo para execução) e cobranças excessivas de produção”, completou.
Assim, rotinas exaustivas, combinadas a avanços tecnológicos que promovem a hipervigilância do colaborador, provocam as consequências adversas na saúde mental. “Colaborando com esse paradigma de gestão do trabalho temos avanços tecnológicos que têm gerado um estado de hipervigilância e hiperdisponibilidade. Os aplicativos de mensagens instantâneas, por exemplo, romperam de vez com a fronteira entre um tempo no trabalho e o tempo fora do trabalho”, argumenta Peres.
É válido ressaltar, também, que a inexistência do sujeito provoca, consequentemente, a inexistência do trabalho. Emílio salienta que, mesmo que não pudéssemos estabelecer uma relação entre qualidade do trabalho e saúde, estamos falando de vidas. “Nada, absolutamente nada, pode justificar um modo de gestão que adoeça as pessoas”.
Impactos da pandemia
Mesmo com o aumento de casos, Emílio Peres afirma que existe a percepção, através dos estudos coordenados por ele, de que a subnotificação de casos é uma realidade. “Ainda existem muitos estigmas relacionados às questões de saúde mental, as pessoas sentem-se envergonhadas, julgadas e, infelizmente, muitas vezes são ridicularizadas por sua condição. Então, esse aumento nos afastamentos parece ainda ser desproporcional aos casos reais. Há muitos avanços a serem realizados”.
Caminhos para o enfrentamento
Peres afirma, inclusive, que as empresas precisam se preocupar com processos que se relacionem, diretamente, com o trabalho. “É importante que as organizações procurem pensar o que, em cada contexto de trabalho, pode estar impactando de forma negativa na saúde das pessoas. Aqui, trata-se de parar de pensar as questões de saúde no trabalho como algo externo às organizações”.
Iniciativas que podem parecer efetivas, ignoram o real obstáculo: o combate a um ambiente propício para o desenvolvimento de doenças que envolvem a saúde mental. “Para tentar simplificar: não adianta colocar uma mesa de ping-pong ou fazer um dia de vestimenta informal no escritório se a gestão continua sendo feita sob pressão, com cobrança exacerbada por produção e, em muitos casos, com atos de violência moral”, finaliza Emílio.
FONTE: O HOJE