Embora pareça uma reminiscência de um passado distante, foi no início dos anos 1980 que, um garoto de apenas 5 ou 6 anos, encontrou-se pela primeira vez com o maravilhoso mundo da tecnologia da programação de computadores. Esse encontro que transformou sua visão de mundo aconteceu graças a um Sinclair ZX Spectrum, um dos primeiros computadores pessoais acessíveis, trazido para casa por seu pai.
Programadores precisam se adaptar às inteligências artificiais
Em uma época em que a posse de um computador ainda era um privilégio, o Sinclair ZX Spectrum se destacava por sua aparência, que se assemelhava a um teclado robusto. Com apenas 48 kilobytes de memória – uma fração ínfima em comparação com os 125 mil vezes mais RAM disponíveis nos telefones atuais – o aparelho utiliza a TV como monitor. Os programas, em sua maioria jogos, eram carregados no computador através de fitas magnéticas, o equivalente às atuais unidades de disco.
A demora para carregar os jogos proporcionava tempo para que o garoto folheasse o manual de programação que acompanhava o Spectrum. Este era repleto de programas simples escritos em Basic, uma linguagem de programação facilmente compreensível. Experimentando com os exemplos, ele começou a perceber a empolgação que muitas pessoas sentiam ao se apaixonarem pela programação – a descoberta de que, com o conjunto certo de comandos, podia-se animar máquinas antes inertes e fazê-las seguir suas ordens.
A fascinação pela programação aprofundou-se durante o ensino médio, tornando-se quase uma obsessão. Ele até chegou a considerar a programação como uma futura carreira no início da faculdade. No entanto, o amor pela escrita de palavras acabou prevalecendo sobre a paixão pela escrita de códigos.
Embora tivesse apreciado aprender a pensar como os computadores, ele sempre se deparava com uma questão que não conseguia resolver: Por que as máquinas precisavam que nós, humanos, aprendêssemos suas complexas linguagens de programação para explorá-las ao máximo? Se fossem tão inteligentes, não deveriam elas tentar entender o que estamos dizendo, em vez de nós termos que aprender a falar com elas?
Hoje, essa mudança tão esperada finalmente parece estar acontecendo. A engenharia de software, paradoxalmente, é um dos campos que mais tem a possibilidade de ser transformado com o avanço da inteligência artificial (IA). Acredita-se que, em poucos anos, a IA poderá democratizar a programação de computadores, transformando uma habilidade que atualmente exige alta remuneração e treinamento especializado em algo que qualquer pessoa possa dominar com facilidade e usar em uma ampla variedade de campos.
Esse cenário, embora não signifique necessariamente o fim da necessidade de profissionais especializados em codificação, é um prospecto emocionante para a maioria das pessoas. Um futuro em que todos podemos “programar” computadores, que não exigem treinamento especializado para ajustar e melhorar sua funcionalidade, e que não falem em código, está cada vez mais próximo de se tornar realidade.
IA já está mudando a profissão
Atualmente, ferramentas de IA baseadas em grandes modelos de linguagem, como o OpenAI Codex, da mesma empresa que desenvolveu o ChatGPT, ou o AlphaCode, da divisão DeepMind do Google, já começaram a modificar a maneira como muitos programadores profissionais trabalham.
Essas ferramentas, por enquanto, atuam principalmente como assistentes, capazes de encontrar bugs, escrever explicações para partes pouco documentadas de um programa e oferecer sugestões de código para realizar tarefas rotineiras. Porém, sua inteligência está evoluindo rapidamente, a ponto de competir com os programadores humanos. A DeepMind afirmou em uma publicação na revista Science que o desempenho de seus programas AlphaCode é similar ao de um programador iniciante com alguns meses a um ano de treinamento.
Matt Welsh, ex-engenheiro do Google e da Apple, previu recentemente que “a programação vai ficar obsoleta”. Welsh, que agora dirige uma startup de IA, não considera essa previsão tão absurda. Ele acredita que o conceito tradicional de “escrever um programa” está se tornando obsoleto, e que a maior parte dos softwares será substituída por sistemas de IA treinados e não programados. Para tarefas simples, os programas serão gerados por uma IA, em vez de serem codificados à mão.
A IA, de fato, pode estar sinalizando o início de um novo tipo de programação – um que não exija que aprendamos códigos, mas que transforme instruções de linguagem humana em software. Como afirmou Jensen Huang, CEO da fabricante de chips Nvidia, em uma conferência recente em Taiwan: “Uma IA não se importa com o modo como você a programa — ela vai tentar entender o que você quer dizer… Todo mundo é programador agora — você só precisa dizer algo ao computador”.
Contrariamente ao senso comum de que programação é uma habilidade essencial na era digital, a programação de computadores passou de um hobby geek para um quase imperativo vocacional, muitas vezes ignorando o absurdo e insensibilidade deste conselho. Figuras como Joe Biden, Tim Cook e vários usuários do Twitter têm exortado pessoas de todos os setores a aprenderem a programar.
Embora aprender a programar ainda possa ser útil, considerar isso como uma meta isolada negligencia o próprio fenômeno da automação que a torna possível. Desde a era do código binário, passando pelo Assembly, até as linguagens mais legíveis por humanos, como C, Python e Java, a programação tem buscado o aumento da simplicidade e se afastar das entranhas eletrônicas da computação. A IA pode agora estar facilitando a última camada de abstração: o nível em que se pode dar instruções a um computador como se estivesse falando com outro ser humano.
A aceitação desse novo paradigma parece ser percebida entre os próprios programadores. Uma pesquisa realizada pela Microsoft com 2.000 programadores revelou que 88% deles sentem que o assistente de codificação de IA, o Copilot, melhorou sua produtividade.
Hoje, mesmo que a programação ainda pareça uma habilidade essencial, é possível que, quando as gerações futuras entrarem no mercado de trabalho, os programadores já estejam obsoletos.
Fonte: O Hoje