No ano passado, após uma visita aos estabelecimentos prisionais do estado, o CNJ produziu um relatório sobre a situação das unidades prisionais de Goiás
CPP de Aparecida de Goiânia | Foto: Reprodução
O Estado de Goiás conta hoje com uma população carcerária declaradamente LGBT+ de aproximadamente 300 pessoas, sendo 127 somente na 1ª Regional, que engloba Goiânia e Aparecida de Goiânia. No Brasil, o primeiro censo penitenciário foi elaborado em 1993, mas nunca existiu uma continuidade dos dados estatísticos, sendo impossível traçar uma série histórica que analise os dados da situação do sistema prisional. Repletos de abusos, violação de direitos humanos e violência, os presídios brasileiros seguem à mingua dos investimentos e da atenção dos governantes.
Unidade de Goianápolis será destinada para população LGBT+ | Foto: Reprodução/DGAP
Ao todo, Goiás tem cerca de 26,7 mil detentos, de acordo com levantamento do Sistema Nacional de Informações Penais (SISDEPE), da Secretaria Nacional de Políticas Penais, produzido no primeiro semestre de 2023. Destes presos, mais de 20 mil são homens e 958 mulheres estão entre a população carcerária. Já no Brasil, a população carcerária é de 644,3 mil, segundo o mesmo senso. É o terceiro País no mundo em população carcerária, ficando atrás apenas de Estados Unidos e China.
O Estado tem capacidade para 12,1 mil presos, o que aponta para um déficit de cerca de 8,8 mil vagas. Nos presídios masculinos, são 4,6 mil vagas para presos provisórios, 6 mil para o regime fechado, 642 para o semiaberto, 67 para o regime aberto e 10 para o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Já para o feminino são, respectivamente, 301, 358, 39, 20 e 4 vagas.
O local contará com um galpão de máquinas que está em fase de finalização | Foto: Reprodução/DGAP
São 7 mil presos provisoriamente, 8,2 mil presos em regime fechado, 3 mil em regime semiaberto e 2,1 mil no regime aberto. Além disso, Goiás é o estado com o maior número de presos em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), com 214 internos.
Para a população LGBT+, são 4 alas exclusivas, totalizando 44 vagas e 8 celas exclusivas com 43 vagas. No entanto, desde o ano passado, a Diretoria Geral de Polícia Penal (DGPA) tenta implementar e ampliar o número de vagas exclusivas para essa população.
Uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de outubro de 2020, estabeleceu diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário no âmbito criminal, com relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo, que seja custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade ou em cumprimento de medidas alternativas penais, inclusive monitoramento por tornozeleira eletrônica.
O texto garante direito à vida, integridade física e mental, bem como a integridade sexual, liberdade de identidade de gênero, orientação sexual, o reconhecimento à autodeterminação de gênero e sexualidade da população LGBT+ no regime prisional brasileiro.
No ano passado, após uma visita aos estabelecimentos prisionais do estado, o CNJ produziu um relatório sobre a situação dessas unidades. O documentou apontou que a condição nos presídios goianos era de precariedade e superlotação, além de inconformidades com as leis internacionais de direitos humanos.
O relatório apontou ainda para o desrespeito ao direito de liberdade e direitos à população LGBT+. Foram relatados situações vexatórias e de LGBTfobia instituição dentro dos presídios, com casos de automutilação em decorrência da homofobia ou transfobia, incluindo um caso de suicídio pelo mesmo motivo.
Entre os relatos dos detentos se destacaram os xingamentos, humilhação, separação de pessoas que mantém relações afetivo-sexuais, obrigação do corte de cabelo de pessoas trans e descontinuidade do tratamento com hormônios; desrespeito ao nome social e proibição do uso de roupas e produtos conforme identidade de gênero.
Questionada sobre o relatório, a Diretoria-Geral de Polícia Penal disse que criou duas novas unidades prisionais exclusivas para atender este público, sendo um em Goianápolis, já em funcionamento, e outro em Araçu, em fase de finalização e reforma. “Em Goianápolis, os apenados e apenadas terão direito ao ensino e trabalho, com remição de pena, conforme determina a Lei de Execução Penal (LEP)”.
A nota também diz que o tratamento de saúde ofertado “dentro das unidades prisionais geridas pela DGPP é de responsabilidade das secretarias estadual e/ou municipal de Saúde” e que a Polícia Penal apenas encaminha o paciente ao Sistema Único de Saúde.
Já sobre o uso de objetos relacionados ao gênero, a DGAP explicou que todos os presos e presas, sentenciados, provisórios e submetidos à medida de segurança utilizam “uniforme padronizado – camiseta manga curta e/ou comprida na cor amarela; calça comprida e bermuda na cor amarela; e chinelo (tipo havaianas)”.
O órgão complementa apontando que todo “apenado ou apenada tem direito a duas horas de banho de sol diárias. Isso já acontece em todas as unidades prisionais geridas pela DGPP”.
Coordenadora LGTB+ da gerência de Saúde diz que separação auxilia no cumprimento de pena
Psicóloga, presidente da ONG Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Astral) e coordenadora LGBT+ da gerência de saúde da DGAP, Beth Fernandes diz que as celas e alas exclusivas para essa população não é um privilégio, mas a garantia do direito à integridade dos mais vulneráveis. “É garantir o direito de uma mulher trans que é expulsa de casa, não tem oportunidade de estudar, não tem trabalho, não tem casa e é jogada para o trabalho sexual e para as drogas”, diz.
Ela revela que em Goiás, são cerca de 300 presos autodeclarados como LGBT+. Beth diz que quando é garantido o direito a uma cela ou ala separada, o processo de recuperação do interno é mais fácil e menos violento. “Isso faz com que ele cumpra a pena melhor e saia recuperado. Uma vez que a gente consegue ter celas específicas e lugares específicos para essa população, fazemos com que ele tenha condições melhores de cumprir a pena”, afirma.
Ela explica que a resolução do CNJ garante que a autodeterminação dos presos LGBT+ seja respeitada e que existe a necessidade de um controle para evitar que algozes tentem se aproveitar da separação das celas e alas. Ela diz que muitos internos tentam se infiltrar nas celas destinadas ao LGBT+, seja para fugir de dívidas e problemas com facções ou para evitar contato com presos por causa dos crimes que cometeram.
” Não posso permitir, por exemplo, que um homem que cometeu um crime de feminicídio ou crimes sexuais fique dentro de uma cela com essa população. Meu trabalho também evita que algozes que tentam utilizar as celas destinadas para LGBT+ e tentam se aproveitar de espaços que não são deles. Beth Fernandes”
O trabalho dela também envolve o desenvolvimento de cartilhas educativas para policiais penais e ministrar palestras para falar sobre os direitos da população LGBT+. “Fazer com que ele tenha um entendimento do LGBT+. Meu trabalho também é com o policial penal, para que ele mude sua relação com o outro, que tenha o entendimento do que é isso, de quem é a pessoa, qual lugar ele fala e o pertencimento dessa pessoa”, aponta.
FONTE: JORNAL OPÇÃO