Presidente retornou ao encontro de líderes dos países da ONU, em Nova York, após 14 anos. Na fala, citou mudanças climáticas, combate às desigualdades e fez críticas a conflitos armados e organismos internacionais.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursou, nesta terça-feira (19) nos Estados Unidos, na abertura do debate-geral da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) (veja íntegra acima). A tônica principal da fala, que durou pouco mais de 21 minutos, foi o combate às desigualdades, tema sobre o qual o presidente tem se pronunciado de forma reiterada.
No discurso, ele também se manifestou sobre as questões ambientais e defendeu o desenvolvimento sustentável. Ainda argumentou pela resolução de conflitos armados, e fez críticas a organismos internacionais, como a própria ONU e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Combate à fome e às desigualdades
No início do discurso, Lula citou a fome no mundo e disse que 735 milhões de pessoas em todo o mundo vão dormir “sem saber se terão o que comer amanhã”.
“A fome, tema central da minha fala neste Parlamento Mundial 20 anos atrás, atinge hoje 735 milhões de seres humanos, que vão dormir esta noite sem saber se terão o que comer amanhã”, declarou.
Em seguida, o presidente passou a falar do combate às desigualdades, que foi o foco principal do discurso. Ele disse que falta “vontade política” para acabar com o problema no mundo.
“O destino de cada criança que nasce neste planeta parece traçado ainda no ventre de sua mãe. A parte do mundo em que vivem seus pais e a classe social à qual pertence sua família irão determinar se essa criança terá ou não oportunidades ao longo da vida”, disse.
“É preciso antes de tudo vencer a resignação, que nos faz aceitar tamanha injustiça como fenômeno natural. Para vencer a desigualdade, falta vontade política daqueles que governam o mundo”, continuou.
Em outro ponto da fala, Lula afirmou que “a comunidade internacional está mergulhada em um turbilhão de crises múltiplas e simultâneas” e que “a desigualdade está na raiz desses fenômenos ou atua para agravá-los”.
O presidente citou ainda o combate ao racismo, à LGBTfobia, ao preconceito de gênero e contra pessoas com deficiência, e disse que “somente movidos pela força da indignação poderemos agir com vontade e determinação para vencer a desigualdade e transformar efetivamente o mundo a nosso redor”.
Apoio internacional nas questões ambientais
No discurso, Lula também voltou a cobrar apoio financeiro dos países ricos para adotar medidas de proteção ao meio ambiente e combate às mudanças climáticas. Segundo o presidente, “a emergência climática torna urgente uma correção de rumos e a implementação do que já foi acordado”.
Ele lembrou compromisso firmado no Acordo de Paris, de aporte de recursos no meio ambiente, o qual classificou como “uma promessa”.
“Sem mobilização de recursos financeiros e tecnológicos, não há como implementar o que decidimos no acordo de Paris. A promessa de destinar US$ 100 bilhões aos países em desenvolvimento permanece apenas isso. Uma promessa”, afirmou.
“Hoje esse valor seria insuficiente para uma demanda que já chega à casa dos trilhões de dólares”, acrescentou Lula.
Desenvolvimento sustentável
O presidente brasileiro também voltou a defender o desenvolvimento sustentável e citou medidas tomadas pelo governo, como o Plano de Transformação Ecológica e a Cúpula de Belém, que reuniu países com parte da floresta amazônica em seus territórios.
“Os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por quase a metade de todo o carbono lançado na atmosfera. Nós, países em desenvolvimento, não queremos repetir esse modelo. No Brasil, já provamos uma vez e vamos provar de novo que um modelo socialmente justo e ambientalmente sustentável é possível”, afirmou.
Lula disse que o Brasil está comprometido a cumprir os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e também um 18º, de combate à desigualdade racial, previstos na Agenda 2030.
Segundo o presidente, no entanto, em todo o mundo, “a maior parte dos objetivos de desenvolvimento sustentável caminha em ritmo lento. O imperativo moral e político de erradicar a pobreza e acabar com a fome parece estar anestesiado”.
Extrema-direita e neoliberalismo
Lula disse que o “neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias”. Nesse contexto, segundo o presidente, “surgem aventureiros de extrema-direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas”.
“Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário”, afirmou.
“Repudiamos uma agenda que utiliza os imigrantes como bodes expiatórios, que corrói o Estado de bem-estar e que investe contra os direitos dos trabalhadores”, continuou.
Multilateralismo e críticas a organismos internacionais
No discurso, Lula disse que princípio do multilateralismo – cooperação entre países sobre o um tema em comum – está “sendo corroído”.
“Nas principais instâncias da governança global, negociações em que todos os países têm voz e voto perderam fôlego. Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução”, afirmou.
O FMI, o Banco Mundial e a ONU foram alvo de críticas do petista durante o discurso. Lula disse que, no ano passado, o FMI disponibilizou US$ 160 bilhões a países europeus e só US$ 34 bilhões a países africanos.
Segundo o presidente, a “representação desigual e distorcida no FMI e do Banco Mundial é inaceitável”.
Lula disse que o Brics – grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – surgiu na esteira do “imobilismo” desses organismos e defendeu um comércio global “mais justo”.
“O protecionismo dos países ricos ganhou força e a Organização Mundial do Comércio permanece paralisada, em especial o seu sistema de solução de controvérsias”, disse.
Conflitos armados
Lula disse que os conflitos armados “são uma afronta à racionalidade humana”. O presidente afirmou ser “perturbador ver que persistem antigas disputas não resolvidas e que surgem ou ganham vigor novas ameaças”.
Lula citou nominalmente a “crise humanitária no Haiti, o conflito no Iêmen, as ameaças à unidade nacional da Líbia e as rupturas institucionais em Burkina Faso, Gabão, Guiné-Conacri, Mali, Níger e Sudão”.
Afirmou ainda que há um risco de golpe de Estado na Guatemala, “que impediria a posse do vencedor de eleições democráticas”.
No país, o Ministério Público abriu uma investigação por supostas irregularidades na inscrição de filiados do partido do presidente eleito, Bernardo Arévalo, que pode acabar com a suspensão da sigla.
Guerra na Ucrânia
Quanto à guerra na Ucrânia, Lula disse que o conflito “escancara” a incapacidade dos países que fazem parte da ONU de alcançar a paz.
Lula voltou a criticar as sanções impostas à Rússia. “As sanções unilaterais causam grande prejuízos à população dos países afetados. Além de não alcançarem seus alegados objetivos, dificultam os processos de mediação, prevenção e resolução pacífica de conflitos”, disse.
O presidente brasileiro afirmou ainda que “o Conselho de Segurança da ONU vem perdendo progressivamente a sua credibilidade. Essa fragilidade decorre em particular da ação de seus membros permanentes, que travam guerras não autorizadas em busca de expansão territorial ou de mudança de regime”.
“A ONU precisa cumprir seu papel de construtora de um mundo mais justo, solidário e fraterno. Mas só o fará se seus membros tiverem a coragem de proclamar sua indignação com a desigualdade e trabalhar incansavelmente para superá-la”, finalizou.
Discurso após 14 anos
Lula foi o primeiro presidente a falar nesta 78ª edição do debate, que reúne chefes de Estado e de governo, e ministros dos países da ONU. Tradicionalmente cabe ao Brasil abrir as discussões, realizadas todos os anos em Nova York.
O presidente, que está desde sábado (16) nos EUA, retornou à assembleia geral como presidente do Brasil após 14 anos, para a sua oitava participação no encontro de líderes globais. O petista é o presidente brasileiro que mais vezes discursou na ONU.
Entre 2003 e 2009, Lula abordou temas que estão na pauta de seu terceiro mandato, como a reforma do Conselho de Segurança da ONU, a cobrança de recursos de países ricos para preservar florestas e a necessidade de combate à fome.
Fonte: G1