A inteligência artificial já está presente nas campanhas eleitorais. Nas eleições presidenciais da Argentina deste ano, tanto Javier Milei, quanto Sérgio Massa usaram a tecnologia para atacar um ao outro e tentar persuadir o eleitor. Os candidatos fizeram uso das chamadas deepfakes (método digital de criação de vídeos ultrarealistas com o rosto e voz desejadas em situações falsas). A eleição no país vizinho foi a primeira a usar a técnica de forma eleitoral em larga escala.
A tecnologia já é motivo de preocupação para a justiça eleitoral brasileira, que tem debatido o tema no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As inteligências artificiais podem favorecer ou denegrir a imagem dos candidatos de forma desleal. Tanto o seu uso quanto as estratégias para combatê-lo já éstão sendo antecipadas para as eleições municipais brasileiras de 2024.
Para o presidente do Tribunal, ministro Alexandre de Moraes, “A inteligência artificial simula discursos colocando na boca das pessoas padrões labiais que somente um laudo poderá ser capaz de provar que são falsos. Imagine isso sendo usado nas eleições; até que o candidato comprove que não é verdade, já causou o estrago na escolha do eleitor. ”
Preparando uma regulamentação para as próximas eleições, o TSE realizará em março de 2024, em conjunto com todos os tribunais regionais eleitorais, um evento internacional para debater uma regulamentação para o uso das IAs nas campanhas políticas.
Campanhas
Anderson Medeiros, CEO da Dream True, Programador, Hacker Ethico e Perito Cibernético, trabalha com programação a mais de 30 anos e foi o responsável pela campanha com o uso da inteligência artificial do então candidato a deputado federal por Goiás, Uugton Batista Da Silva (PL), em 2022. Anderson Medeiros afirma que, naquele ano, 42% dos recursos de campanha foram destinados aos meios digitais. No entanto, para as próximas eleições, o perito avalia que a tendência é de que a taxa ultrapasse os 50%.
Anderson Medeiros argumenta que a ferramenta da Inteligência Artificial (IA) pode ter um uso positivo ao atrair a atenção do leitor, mas seu uso ilimitado trará pontos negativos. As vantagens do instrumento são a redução de gastos, de poluição nas ruas com panfletos e o aumento do alcance do discurso do candidato, haja vista que praticamente todos os eleitores possuem um celular. “A IA poderá criar um metaverso onde o eleitor terá na palma das mãos a vida do candidato”.
Entre os pontos negativos está o uso por pessoas mal-intencionadas para denegrir a imagem de adversários. Com a ferramenta, é possível mudar a voz, a face e as palavras ditas pelos candidatos, ampliando o potencial das fake news.
Para o perito, as deepfakes têm o potencial de decidir uma eleição. “Vídeos falsos podem criar uma narrativa negativa sobre determinado candidato em que os eleitores acreditam com muita facilidade. As deepfakes podem mudar o voto das pessoas”, analisa.
Anderson Medeiros concorda que há a necessidade urgente de uma regulamentação para o uso da inteligência artificial no Brasil. “Tudo tem de ter um limite. Precisamos de equilíbrio para que essa regulamentação não se torne censura, mas que também não deixe a prática em um ‘liberou geral’”, defende.
Anderson Medeiros afirma não acreditar que a inteligência artificial substituirá os seres humanos. Porém, admite que a IA amplifica as capacidades das pessoas. “Processando informações rapidamente, a IA auxilia na tomada de decisões, tornando-as mais assertivas e acuradas através de análise de dados. Isso é um grande benefício para a política”, ressalta.
Ciência
Celso Camilo, mestre e doutor em inteligência artificial, é professor da Universidade Federal de Goiás (UFG). O pesquisador avalia que a IA está transformando a sociedade e, por consequência, a economia, as indústrias, a educação, a saúde, e também a política.
O professor concorda que vários são os benefícios do uso da IA, como o acesso de um público geral a serviços de qualidade. Por exemplo, os diagnósticos médicos de excelência com baixo custo se tornam possíveis com a inteligência artificial. Camilo acentua que o chamado human-centered AI tem foco em “trazer a tecnologia para relacionar-se com os problemas sociais e, ao mesmo tempo, reduzir riscos, respeitando a ética moral.”
Para o professor, na política, há vantagens e perigos. A IA pode auxiliar o tomador de decisões a propor políticas públicas mais qualificadas, que considerem maior quantidade de informações do que as tradicionais. Os modelos gerados por IA podem esclarecer a eficácia dos programas de governo propostos pelos candidatos em campanha.
Um dos perigos, alerta o professor, é a geração de conteúdos falsos. “Pode-se produzir, por exemplo, a gravação de uma fala que a pessoa jamais proferiu.“ Porém, da perspectiva de Celso Camilo, o juízo de valor não deve ser feito sobre a tecnologia — ela não é boa ou má. “É o uso que fazemos dela que deve ser analisado”, argumenta.
Direito
O advogado eleitoral Dyogo Crosara lembra que as últimas eleições já mostram tendência de utilização dessa ferramenta nas campanhas. Crosara cita o pleito eleitoral argentino como uma demonstração do que acontecerá no Brasil e no mundo. O advogado observa que a IA não fará parte apenas das campanhas em grandes cidades, mas também nas pequenas, tendo em vista que é uma tecnologia de custo baixo.
Dyogo Crosara sublinha que, para o direito eleitoral, o cenário é completamente novo. “Ainda não temos uma regulamentação. Temos normas que já são aplicadas na internet, porém, não especificamente para inteligência artificial”, informa. Por enquanto, a utilização da metodologia deepfake é orientada pelos mesmos instrumentos jurídicos que falam sobre as fake news. Entretanto, o advogado expõe que com a velocidade que as informações chegam ao receptor, essas deepfakes tem a potencialidade de causar prejuízos gigantesco para uma campanha eleitoral.
“Imagine uma notícia falsa, mas com ares de veracidade (que é o que o deepfake faz), nas vésperas ou no próprio dia da eleição. Isso tem o poder de tumultuar completamente o processo. A Justiça Eleitoral talvez não esteja preparada para enfrentar essa problemática que considero ser muito séria”, frisa, o advogado.
Para o advogado especialista em direito público, Wandir Allan, sempre há um atraso entre os avanços tecnológicos, seu uso nas campanhas eleitorais, e sua efetiva regulamentação. Contudo, nos últimos tempos é perceptivo o aceleramento dessas utilizações. “A inteligência artificial sem sombra de dúvidas será usada na produção de conteúdo, na moldagem de respostas, no gerenciamento de crises, na construção de estratégias eleitorais, e certamente em atos menos dignos como o ataque à imagem de oponentes.”
Wandir Allan destaca um exemplo de utilização que já foi experimentado nas últimas eleições será o uso do chatbots, para conversar com os eleitores como se fossem o próprio candidato. “Inúmeras aplicações da IA estão acessíveis, mas somente os políticos com maior poder aquisitivo terão acesso aos recursos mias elaborados.”
O advogado relaciona alguns cuidados que os candidatos precisam ter nessa nova conjectura. Em primeiro lugar, no que diz respeito aos gastos, uma vez que não há previsão específica para sua utilização no TSE. Em segundo lugar, é vedado o uso de qualquer meio de propaganda que falseie a verdade, degradando ou ridicularizando os oponentes. “Portanto, o emprego da IA para produzir deepfakes pode configurar abuso e eventualmente até crime”, enfatiza.
O advogado julga que lidar com as deepfakes será o grande desafio da comunicação. “As deepfakes são o agravamento concreto das fakes news, uma vez que o dano à imagem de um candidato com seu rosto e fala empregados em conteúdos falsos tem o condão de destruir a sua reputação.” Para o especialista, a fiscalização será feita essencialmente pelos partidos e adversários, já que a estrutura do poder Judiciário Eleitoral para coibir todas essas condutas é insuficiente. Ainda segundo o advogado, existem grupos de estudos no TSE trabalhando em propostas de regulamentação.
Candidatos
A reportagem entrou em contato com os quatro primeiros colocados nas pesquisas para prefeito de Goiânia, mas somente a deputada federal, Adriana Accorsi (PT) respondeu as indagações. Adriana Accorsi relata que ainda está conhecendo melhor a tecnologia, mas que acredita no lado bom do avanço tecnológico.
Adriana Accorsi afirma que concorda com a utilização da IA em campanhas eleitorais, com fim de otimizar instrumentos de comunicação entre candidatos e a população. Adriana Accorsi ressalta que ainda não definiu se irá ou não fazer uso da IA em sua campanha.
O espaço está em aberto para os candidatos que queiram se manifestar sobre o assunto.
TSE
Em entrevista ao Jornal Opção, o advogado e ex-ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral, Joelson Dias, avalia os desafios que a inteligência artificial impõe às eleições. “O alcance e velocidade da IA, em vez de permitir a ampliação do debate, pode resultar em muita desinformação, ofensas ou confirmação de vieses.”
O ex-ministro adverte para o uso da IA em práticas ilícitas, como a incitação à praticas violentas, o incentivo ao ódio e a divulgação de inverdades. Não importa o meio utilizado, já existe Legislação, como os códigos Penal e Eleitoral, para tipificar esses crimes. “Não se pode pensar que o fato de a IA ainda não estar plenamente regulamentada excluirá eventuais crimes. Ninguém deve acreditar que transgressões praticadas com novas tecnologias estarão isentas, pois esses crimes já estão caracterizados por leis.”
Por outra perspectiva, a inteligência artificial também tem seu lado positivo. “Ela oferece uma série de oportunidades no contexto eleitoral e viabiliza uma segmentação mais acurada dos eleitores, permitindo que as campanhas direcionem mensagens personalizadas para grupos demográficos específicos. Promovendo assim uma conexão mais estreita entre os eleitores e seus candidatos. “
O ex-ministro concorda que a IA é um caminho sem volta, mas que o mundo sempre puniu, sancionou e tipificou como crime as tentativas desleais de influenciar uma eleição. “Não é porque o meio mudou que as mentiras deixaram de ser ilícitas, pelo contrário, serão punidas de forma mais grave”, conclui.
Joelson Dias informa que o debate sobre uma regulamentação específica para a IA está presente em todo o mundo. No Brasil, existem dois projetos em tramitação: um para regular as plataformas, e outro para regular a inteligência artificial.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP – AL) admite o risco da ferramenta desregulamentada. “É preciso pressa para criar uma legislação rigorosa que impeça manipulações e consequentemente o crime”, disse Lira em entrevista à Agência Câmara de Notícias.
Na Câmara, tramita um projeto que determina que o poder Executivo deve definir uma política nacional de inteligência artificial. O texto está em análise na casa. O uso deverá respeitar os princípios da transparência, da proteção da privacidade e da defesa dos valores democráticos.
“A IA tem se tornado prioridade estratégica para economias globais, que buscam usar a tecnologia para apoiar decisões em saúde, segurança e educação’, afirma, o autor da proposta, deputado Lebrão (União-RO). “O futuro parece promissor, mas há desafios como garantir segurança e ética na aplicação da tecnologia’, Agência Câmara dos Deputados.“ O projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado pelas comissões de Ciência, Tecnologia e Inovação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Para Rodrigo Pacheco (PSD – MG), presidente do Senado Federal, a inteligência artificial usada com má fé pode arruinar o pleito. “É uma obrigação do Congresso Nacional entregar a regulação normativa legal da IA, assim como é em relação às redes sociais, sob pena de o judiciário fazer o que é o nosso dever como legisladores”, defendeu em entrevista à Agência Senado.
Para tanto, existe no Senado o Projeto de Lei 2338, de 2023, que dispõe sobre o uso da inteligência artificial. O relator do PL, senador Eduardo Gomes (PL – TO), comunica que trabalha para que haja convergência em torno do assunto. “Temos que tomar cuidado com a censura, mas também com o acesso sem domínio”, lembra, o senador.
Fonte: Jornal Opção