MP conseguiu na Justiça que câmeras fossem usadas pela polícia em Anápolis, mas estado recorreu e decisão foi derrubada. Impasse segue no Tribunal de Justiça.
A prisão de policiais militares suspeitos de por uma série de assassinatos para se livrarem de provas relacionadas à morte de um empresário em Anápolis reacendeu o debate sobre o uso de câmeras em fardas e viaturas. O Ministério Público defende a instalação dos aparelhos para reduzir a letalidade policial. Já o governo estadual informou que não há previsão para uso dos equipamentos.
Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, entre 2020 e 2022, 1.716 pessoas morreram em ações policiais em Goiás.
Em agosto de 2022, o Ministério Público pediu à Justiça que policiais militares de Anápolis, a 55 km de Goiânia, usassem câmeras nas fardas e carros durante as ações. Dados divulgados pelo MP apontam que o estado é o segundo no ranking nacional em mortes por intervenções. Já a cidade tem o quarto maior índice de mortes decorrentes de intervenções policiais de Goiás.
Em abril deste ano, a juíza Mônice de Souza Balian Zaccariotti determinou a instalação das câmeras. O estado tinha 90 dias para elaborar um plano para a redução da letalidade policial.
O governo recorreu e a decisão liminar foi suspensa. A Justiça aceitou o argumento da Procuradoria-Geral do Estado de que a ação do Ministério Público ia contra a separação entre os poderes.
Porém, o MP fez um novo questionamento à Justiça. “Nós recorremos e agora estamos aguardando, na verdade, a decisão definitiva, porque toda a ação já foi instruída com provas efetivas e eficaz”, disse a promotora de Justiça Adriana Thiago.
A Secretaria de Segurança Pública informou que não há prazo para que esses equipamentos de monitoramento sejam instalados em fardas e viaturas.
“O monitoramento da atividade policial e de eventuais condutas excessivas é realizado por meio das Corregedorias Setoriais, garantindo controle interno das atividades. As discussões sobre a criação de um padrão para câmeras em fardas de policiais militares são articuladas pelo governo federal”, diz a nota.
Atualmente, o governo federal articula com representantes das secretarias de segurança dos 26 estados e do Distrito Federal criar um padrão para o uso de câmeras corporais pelas polícias do país. A intenção é definir até dezembro as primeiras diretrizes com mesmos critérios para todo o país.
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As polícias de sete estados já usam câmeras portáteis nas fardas e viaturas:
Minas Gerais
Pará
Rio de Janeiro
Rio Grande do Norte
Rondônia
Santa Catarina
São Paulo
Em São Paulo, houve uma redução de 62% nas mortes durante operações policiais após a instalação dos equipamentos, em 2019. Outros dez estados têm projetos para instalação de câmeras nas fardas. Em Goiás, não há nenhum projeto para que isso seja feito.
O ex-coronel da PM do Rio de Janeiro e pesquisador do Laboratório de Análise de Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Robson Rodrigues aponta que os dados dos estados que adotam câmeras nas fardas mostram que os benefícios podem ir além da redução da violência.
“Abordagens são momentos tenso na relação entre polícia e a população. Esse equipamento vai evitar em muitas vezes a escalada da violência de ambas as partes. Ele é um favor inibitório não só para a ação policial, mas também para aqueles que, eventualmente, ultrapassar os seus direitos de cidadão”, disse.
Ele também explica que ainda há muita resistência sobre o tema por se acreditar, dentro das polícias, que as ações de segurança pública devem ser mantidas em sigilo. “As polícias são muito tradicionais, nós não tivemos nenhuma reforma delas desde a transição política. Então, já passou da hora de reformularmos essas instituições”, completou.
O pesquisador da Universidade de Oxford Daniel Barbosa participou do estudo feito em 2018 com a Polícia Militar de Santa Catarina. Em três meses de testes, ficou evidente para os pesquisadores que as câmeras são importantes.
“A cada 100 eventos que policiais usavam força anteriormente, a gente consegue reduzir esse número em 61%, levando somente a 39 eventos, de 100 eventos hipotéticos. Uma diminuição muito significativa”, disse.
Ignacio Cano, sociólogo e pesquisador em segurança pública na América Latina, acredita que o uso de câmeras durante as operações policiais contribui para o controle da atividade policial, o que é essencial, segundo ele.
“Controle interno e externo da atividade policial são elementos essenciais e a polícia não deve perceber isso como um risco, deve perceber isso como uma oportunidade de mostrar para a sociedade que está fazendo um bom trabalho”, disse o sociólogo.
Fonte: G1