Celular com diálogos de juízes pedindo favores a advogado assassinado some após pedido da PGR

Aparelho continha conversas onde magistrados aparecem ou são citados pedindo ajuda em promoções e solicitando cargos

Um dos celulares periciados durante a investigação do assassinato dos advogados Marcus Aprígio Chaves e Frank Carvalhães, em Goiânia, “desapareceu” da custódia das autoridades goianas. O aparelho, que pertencia a Marcus, filho do ex-presidente do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ), Leobino Chaves, revelou um suposto esquema de tráfico de influência e troca de favores dentro do Poder Judiciário do estado. Os advogados foram mortos à tiros dentro do escritório da dupla no dia 28 de outubro de 2020.

O suposto desaparecimento do aparelho veio à tona após a Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitar os celulares para uma investigação ministerial, a fim de apurar “a potencial capilaridade dos crimes envolvendo diferentes autoridades com prerrogativa de foro perante o Superior Tribunal de Justiça”.

No entanto, depois da solicitação, o TJ informou, no processo, que não há no Núcleo Público Judicial do órgão o segundo aparelho solicitado pela PGR. A Polícia Civil (PC), responsável pela investigação na época do crime, também informou que o celular exigido “não foi encontrado no cartório” da instituição. O Jornal Opção entrou em contato com a corporação e o órgão para que se posicionassem, mas não teve retorno. 

No aparelho telefônico, consta mensagens em que juízes, desembargadores e advogados aparecem ou são citados pedindo “ajuda” a Marcus em promoções de carreira, resoluções de processos ou solicitando cargos específicos para parentes. À época, Marcus, por ser filho ex-presidente do TJ, era procurado por outros advogados e pelo alto escalão do Judiciário para interceder diante de causas que os familiares dele poderiam resolver.

Por conta disso, o Conselho Nacional de Justiça intimou juízes e uma desembargadora a prestarem esclarecimentos diante do órgão quanto ao possível envolvimento deles na trama. Segundo o CNJ, “há indícios de cometimento de infração de ordem disciplinar pelos magistrados”.

Parte do documento onde a PC afirma que não tem o aparelho. (Foto: Reprodução/Metrópoles)

Era beneficiado 

Ao realizar promessas de que faria os pedidos, Marcus era beneficiado em seus processos e indicado para assumir casos milionários. Influente, logo passou a se envolver com grandes empresários, que também o ajudavam na troca de favores. Apesar do esquema se passar dentro do TJGO, integrantes dos tribunais do DF e de Minas Gerais, bem como dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), também são citados no suposto esquema.

Os dados foram extraídos pela Polícia Civil durante o inquérito que apurou a morte de Marcus e Frank, em 2020, e estão à disposição da Justiça desde 2021. Apesar disso, não foram investigados pelas autoridades. 

Mensagem entre Marcus e juiz Atila. (Foto: Reprodução/Metrópoles)

Contato constante 

Conversas obtidas na quebra de sigilo mostram que Marcus mantinha contato frequente com juízes do TJGO. Um dos magistrados é Ronnie Paes Sandre. Segundo consta nas trocas de mensagens, Sandre queria que a promoção de carreira dele fosse acelerada dentro do TJ e, para isso, pedia que Marcus intercedesse por ele diante de Leobino, à época presidente da corte. 

A intenção do juiz, na data em que as mensagens foram trocadas, era o segundo grau de jurisdição. Para demonstrar apoio ao magistrado, o advogado fazia promessas e dizia que usaria até mesmo a influência de um bispo para convencer o pai a ajudar Ronnie.

Enquanto Marcus estava vivo e atuava como advogado, vários processos dele foram julgados por Ronnie. Em conversas com clientes, o advogado celebrava vitórias e citava o nome do juiz. Dentre os diversos casos, no entanto, um deles foi o que mais chamou a atenção. Depois de uma sentença favorável, assinada pelo magistrado, o escritório de advocacia de Marcus recebeu meio milhão de reais.

Conforme consta nas conversas, logo após a publicação da decisão proferida por Ronnie, o advogado manda uma mensagem com o PDF da sentença para um cliente, identificado como Jandir Tiecher, e comemora a conquista. Quase que imediatamente, Jander transfere R$ 500 mil ao escritório Chaves Advogados Associados SS. Tempos após a morte de Marcus, porém, o tribunal cancelou os efeitos da decisão proferida.

Outro juiz do TJGO que mantinha contato frequente com Marcus era Átila Naves Amaral. Assim como Ronnie, o magistrado pedia para que o advogado o ajudasse a convencer Leobino a apoiá-lo em promoções de carreira. Durante uma conversa entre o advogado e Átila, o magistrado chega a indicar o nome de quais juízes deveriam receber a ajuda de Marcus para serem promovidos dentro do TJGO.

Em determinado momento, Átila manda uma foto do juiz Fabiano Abel de Aragão Fernandes, um gif de um personagem segurando uma arma de fogo e uma mensagem: “Ferrar com esse fela! não faz nada pra ninguém! [Sic]”.

Em seguida, Átila discute com Marcus sobre os juízes que buscavam a promoção de carreira e dos planos para manipular os resultados.

Mensagem de Atila para Marcus. (Foto: Reprodução/Metrópoles)

Não procurou ajuda 

O juiz Átila afirmou ao Metrópoles que “jamais precisou de ajuda” durante sua caminhada profissional e que jamais procurou qualquer ajuda de Marcus.

“Conhecia o Dr. Marcus desde os seus 18 anos, tendo com ele uma relação de respeito e cordialidade. Como se sabe, a promoção de magistrados obedece a regras objetivas, não havendo como pessoas alheias ao processo interferirem. Não fui ajudado, e a prova disso é que não fui promovido a desembargador do TJGO até hoje. Informo, ainda, que nunca julguei processos do Dr. Marcus”, escreveu Amaral.

O juiz Ronnie Paes Sandre, por outro lado, negou as acusações. 

Assassinato 

Marcus e Frank foram assassinados dentro do escritório em que trabalhavam, em Goiânia, em outubro de 2020. Dias após o crime, os investigadores chegaram a dois suspeitos: Pedro Henrique Martins Soares, preso em 30 de outubro, e Jaberson Gomes, morto na mesma data durante uma perseguição policial.

Conforme mencionado no processo, a dupla criminosa teria se passado por clientes e marcado uma reunião para cometer os assassinatos. Eles teriam exigido dinheiro dos advogados e atirado contra os dois logo após terem roubado R$ 2 mil.

Durante as investigações, a polícia desconfiou de que o crime teria sido encomendado e passou a ouvir pessoas envolvidas na vida dos advogados. Apesar de no início ter sido levantada a hipótese de que um agiota poderia estar por trás do homicídio, o fazendeiro Nei Castelli foi detido como o mandante.

Conforme consta no inquérito policial, o fazendeiro teria encomendado as mortes após perder uma ação que o obrigava a pagar Marcus e Frank, a título de honorários sucumbenciais, o valor de R$ 4,6 milhões.

Em 2022, Pedro, o assassino confesso, foi condenado a 45 anos, 6 meses e 10 dias de prisão pelo Tribunal do Júri. No fim de maio deste ano, outros três envolvidos também foram julgados. Castelli e Cosme Lompas, responsável por contratar os executores do crime e intermediar a negociação dos valores pagos, foram condenados a 21 anos, 10 meses e 15 dias de reclusão, cada um.

Hélica Ribeiro Gomes, namorada do atirador Pedro Henrique Martins Soares, foi a única absolvida de todas as acusações.

Fonte: Jornal Opção

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