Segundo uma pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) publicada na última sexta-feira, 21, a depressão é quatro vezes mais comum entre idosos que relatam se sentirem sempre sozinhos. O risco de desenvolver a doença dobra pelo simples fato de morar só.
Essa informação se torna ainda mais relevante quando aliada a outro estudo, publicado na revista Nature Aging em 2 de janeiro, pelo psiquiatra brasileiro Flávio Kapczinski em parceria com pesquisadores franceses. A equipe descobriu que uma proteína responsável pela regeneração de neurônios e que decai com a velhice pode ser correlacionada com a depressão. Além da utilidade para medir o distúrbio e explicar suas origens, há aí também a promessa de um possível tratamento farmacológico para a depressão no futuro.
O psiquiatra Flávio Kapczinski, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) trabalhou em conjunto com a equipe do neurocientista francês Pierre-Marie Lledo, do Instituto Pasteur, em Paris. A equipe descobriu que uma nova possível causa para a depressão é a perda da capacidade dos neurônios de reparar danos por meio do processo de autofagia. A autofagia (do grego, “comer a si próprio”) é um instrumento que as células têm para desfazer estruturas e reaproveitar seus componentes.
A redução na capacidade de realizar o processo nos neurônios pode chegar a 20% em função da idade. Isso se correlaciona com déficits de memória de curto prazo e de trabalho, que exacerbam os efeitos do envelhecimento em alguns idosos. A depressão pode se assemelhar a um estado de envelhecimento acelerado, pois os indivíduos deprimidos geralmente exibem uma maior incidência de doenças associadas à idade, incluindo Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas.
Para estudar o fenômeno, o grupo administrou a camundongos idosos uma proteína que diferencia o desenvolvimento das células, chamada GDF11. Mecanicamente, o GDF11 atua diretamente nos neurônios do hipocampo para aumentar a atividade neuronal por meio da estimulação da autofagia. Nos humanos, essa proteína é produzida pelo organismo até a idade adulta diminui a partir dos 70 anos de idade.
O que se descobriu foi que a aplicação da proteína nos roedores idosos melhorou sua memória e aliviou seus sintomas de senescência e depressão. Análises transcriptômicas (estudo da expressão genética) e análises bioquímicas desses neurônios revelaram que o GDF11 reduz a atividade do alvo da rapamicina (mTOR), um regulador mestre da autofagia. Com menos regulação, a autofagia foi aumentada e, portanto, se conseguiu “rejuvenescer” o cérebro dos camundongos. A administração da proteína durou três semanas e os testes e exames foram realizados na quarta semana do estudo.
Os resultados do estudo com roedores levaram os pesquisadores a investigar se os níveis sanguíneos de GDF11 se correlacionam com a depressão em humanos. Para responder a esta questão, os pesquisadores recrutaram participantes com transtorno depressivo severo, bem como pessoas saudáveis da mesma idade e níveis de escolaridade para compor um grupo controle. Todos os participantes foram submetidos a avaliações psiquiátricas para aferir o grau da depressão, e tiveram o sangue coletado, que se analisou para detectar os níveis de GDF11. Para esse estudo, foram analisados 89 voluntários de Pelotas, Rio Grande do Sul.
Os pesquisadores encontraram que os níveis de GDF11 diminuíram significativamente no sangue de indivíduos com depressão severa crônica, em comparação com o grupo controle saudável da mesma idade. Em seguida, se avaliou os níveis de GDF11 em uma seção de adultos jovens que atravessavam um episódio depressivo, mas sofriam do transtorno de forma crônica. Novamente, indivíduos com um episódio depressivo atual apresentaram níveis séricos de GDF11 mais baixos do que o grupo controle.
Esses achados revelam que os níveis sanguíneos de GDF11 estão associados tanto à desordem da depressão crônica quanto aos episódios depressivos atuais em humanos. A primeira importância do estudo é sugerir que o GDF11 pode ser considerado um biomarcador para a depressão. Ou seja, uma unidade que pode ser medida em testes laboratoriais para avaliar o distúrbio psiquiátrico.
O estudo é importante ainda por apontar para uma possibilidade de reverter o envelhecimento do cérebro e a depressão com uma droga. Mas ainda há muitas etapas antes do desenvolvimento de um eventual fármaco. Na publicação da Nature Aging, os cientistas escrevem: “Confirmamos ainda o papel antidepressivo do GDF11 em roedores. Será interessante comparar os efeitos do GDF11 com um antidepressivo conhecido, como a fluoxetina, na possível restauração da neurogênese e outros parâmetros.”
Sobre o distúrbio da depressão em humanos, os cientistas destacam cuidados necessários antes de tirar conclusões: “É crucial notar que todas as pessoas incluídas neste estudo eram jovens (idade média de 26 anos). Como esses resultados demonstram correlação e não causalidade, estudos clínicos adicionais devem ser conduzidos para concluir a especificidade em humanos. Além disso, seria interessante examinar se os níveis séricos de GDF11 são restaurados em pacientes deprimidos após medicação antidepressiva. Seria interessante examinar quanto tempo dura esse efeito, se novos neurônios continuam se integrando.”
Por último, a administração do GDF11 não é simples. Em camundongos, a aplicação da proteína diretamente no cérebro não promoveu a formação de neurônios no hipocampo. “Portanto, os efeitos observados na neurogênese após a administração sistêmica de GDF11 parecem ser indiretos, potencialmente por meio da ativação de outros fatores periféricos”, escrevem eles.
O estudo foi importante por revelar que o GDF11 pode ser considerado um biomarcador confiável para a depressão em humanos e por prometer futuras intervenções terapêuticas para tratar a depressão associada ao envelhecimento. Mas, antes disso, novos estudos serão necessários.Cientistas descobrem nova causa da depressão e forma de ‘rejuvenescer’ o cérebro.
Fonte: Jornal Opção