Contingente que chegou a um terço dos 150 mil homens que lutaram sob bandeira brasileira na Guerra do Paraguai (1864-1870), grupo veio de todas as regiões do então Império.

Pedro 2º com seus dois genros (Augusto de Saxe-Coburgo-Gota e Gastão de Orléans) em Alegrete, 1865, durante a Guerra do Paraguai – (crédito: Fine Art Images/Heritage Images/Getty Images)
Eles somaram aproximadamente um terço dos cerca de 150 mil homens que lutaram sob bandeira brasileira na Guerra do Paraguai (1864-1870).
Saídos de todas as regiões do então Império do Brasil, passaram à história sob um nome retumbante que hoje figura em logradouros de pelo menos quatro Estados brasileiros: Voluntários da Pátria.
Nos primeiros meses da guerra, eles foram reunidos em corpos (unidades militares) integrados ao Exército Imperial.
Mas a denominação contém duas imprecisões.
“Voluntário”, segundo o Dicionário Houaiss, é aquele “que não é forçado, que depende da vontade ou é controlado por ela”.
No caso dos Voluntários da Pátria, “muitos foram voluntários a pau e corda”, segundo diz à BBC News Brasil o historiador Mário Maestri, autor do livro Guerra sem fim: a Tríplice Aliança contra o Paraguai (editora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo/ECM, 2017).
Já “pátria”, segundo o mesmo dicionário, designa “país em que se nasce e ao qual se pertence como cidadão”.
Entretanto, os Voluntários da Pátria eram em parte estrangeiros, muitos dos quais receberam promessa oficial de auxílio para retornar a suas terras natais ao final do conflito.
Havia também os escravizados, aos quais a Constituição de 1824 negava a cidadania. Ao serem incorporados ao Exército Imperial, os cativos eram alforriados.
Alistados muitas vezes a contragosto em nome de uma pátria que não era oficialmente deles, esses engajados no “nobre e santo empenho” da guerra contra o Paraguai enfrentaram sua primeira batalha em 10 de junho de 1865.
Nesse dia, ante cerca de 4 mil soldados paraguaios, coube a um contingente de não mais de mil homens — dos quais cerca de 60% integravam o 1º Batalhão de Voluntários da Pátria — fazer a defesa de São Borja, vila às margens do Rio Uruguai no oeste do Rio Grande do Sul.
O Brasil acabou derrotado na batalha. Mas foi este o “batismo de fogo” dos Voluntários da Pátria, na avaliação do coronel da reserva do Exército Claudio Moreira Bento, presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil.
São Borja e os Sete Povos das Missões
São Borja, hoje um município no Rio Grande do Sul próximo à fronteira com a Argentina, foi fundada por jesuítas no final do século 17 como o primeiro dos Sete Povos das Missões, no que era então território espanhol.
O nome da vila homenageia o padre espanhol da Companhia de Jesus São Francisco de Borja, contemporâneo de Santo Inácio de Loyola — o fundador da ordem — e irmão de Alexandre 6º, o papa Bórgia.
Depois de trocar sucessivas vezes de mãos entre espanhóis e portugueses nas guerras e acordos de fronteira, São Borja tornou-se em 1801 parte do Brasil Colônia.
Em meados do século 19, a vila experimentou um florescimento com a reabertura da navegação internacional na Bacia do Prata após a queda do governo de Juan Manuel de Rosas (1793-1877) na então Confederação Argentina (atual Argentina).
Apesar das precárias condições do porto, do qual distava quatro quilômetros, o vilarejo atraía comerciantes, militares e estancieiros, além de viajantes e empreendedores estrangeiros.
Em 1865, teria cerca de 2,8 mil habitantes, segundo registro atribuído ao padre João Pedro Gay (1815-1891).
São Borja servia de entreposto para os principais itens da pauta paraguaia de exportação: erva-mate, madeira e tabaco.
Enquanto a navegação do rio da Prata esteve vedada ao Paraguai sob o governo de Rosas, esses produtos cumpriam uma extensa rota de mais de mil quilômetros a bordo de barcos e carretas — de Encarnación, no Paraguai, até Rio Grande, no Brasil, passando por São Borja.
A deposição de Rosas e o incremento do comércio — que, além da produção agrícola da região, agora incluía também manufaturados, sobretudo britânicos — fizeram decair o valor logístico de São Borja, ao mesmo tempo que contribuíram para incrementar o interesse pela bacia platina.
Em 1864, contrariando o compromisso assumido com o Paraguai de não interferir na República Oriental do Uruguai — a antiga Província Cisplatina —, o Império do Brasil invadiu o Uruguai sem declaração de guerra.
O propósito era depor o presidente “blanco” (do Partido Nacional) interino Atanasio Aguirre (1801-1875) e empossar seu rival, o general “colorado” (Partido Colorado) Venancio Flores (1808-1868).
O ataque contra o Uruguai deu-se em acordo com a recém-proclamada República da Argentina, presidida por Bartolomé Mitre (1821-1906), a quem o uruguaio Flores fora subordinado como general do exército argentino.
Os antecedentes da Guerra do Paraguai
O então presidente do Paraguai, Solano López (1827-1870), protestou fortemente contra a invasão do Uruguai.
Desde os tempos da desagregação do vice-reinado espanhol do Prata, os dois países eram unidos na resistência à Argentina e ao Brasil.
Isolado no coração do continente, o Paraguai tinha questões de fronteira em aberto com o Brasil e a Argentina.
O país também dependia do acesso ao porto de Montevidéu, no Uruguai, para escoar seus produtos.
O paraguaio López via na campanha contra o uruguaio Aguirre, concluída em fevereiro de 1865 com a deposição do presidente e sua substituição por Flores, a antessala de uma ofensiva brasileira contra seu próprio país, com apoio ou neutralidade interessada de Buenos Aires.
Em 14 de novembro de 1864, o Paraguai rompeu relações com o Brasil, apreendeu o navio brasileiro Marquês de Olinda e preparou-se para atacar o território brasileiro, primeiro por Mato Grosso — propósito posto em prática no mês seguinte — e, em seguida, pelo Rio Grande do Sul.
No segundo caso, porém, suas tropas necessitavam atravessar o território de Misiones, em disputa com a Argentina, e a província semidissidente de Corrientes para chegar à fronteira do Império do Brasil.
Em fevereiro de 1865, o argentino Mitre negou permissão de trânsito às forças de López.
Em março, o Paraguai decidiu marchar sobre Corrientes mesmo sem licença.
O país estava em guerra, simultaneamente, com as duas maiores potências da América do Sul, Brasil e Argentina.
Em 13 de abril, tropas paraguaias ocuparam a cidade argentina de Corrientes, aprisionaram navios argentinos e nomearam autoridades favoráveis a Assunção.
Ameaçavam o Rio Grande do Sul, província mais meridional do império e fonte crucial de charque e couro para todo o Brasil.
A província ficava na dupla fronteira com Argentina e Uruguai (a chamada “fronteira viva”, com alto risco de conflito) e abrigava a maior guarnição militar brasileira.
FONTE : CORREIO BRAZILIENSE