Além da onça pintada, que é o maior carnívoro do continente, serão amparados animais como a anta, o lobo-guará e o tamanduá-bandeira
Manter, recuperar e conectar a vegetação natural americana evitará a extinção da onça-pintada. Foto: Leonardo Ramos/Creative Commons
Entidades civis de proteção ao meio ambiente querem assegurar até 2030 um mega corredor entre áreas preservadas através de países das américas do Sul e Central para reforçar a sobrevivência no longo prazo de grandes mamíferos. Além da onça pintada, que é o maior carnívoro do continente, serão amparados animais como a anta, o lobo-guará e o tamanduá-bandeira.
Um dos locais mais afetados é a Chapada dos Veadeiros, no nordeste de Goiás, onde o crescimento urbano, a mineração, a agricultura e a pecuária têm reduzido significativamente as áreas naturais desde 1985. A agropecuária, por exemplo, já ocupou cerca de metade da área do Distrito Federal nessa região. De acordo com dados do MapBiomas até 2022, aproximadamente 83% desse desmatamento ocorreu dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) do Pouso Alto, uma reserva estadual que deveria promover o uso sustentável da terra e reduzir os impactos ambientais ao redor do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.
O número mostra o ocorrido até 2022 nos municípios do nordeste goiano onde se espalha a região de montanhas, campos, florestas e savanas – Alto Paraíso, Campos Belos, Cavalcante, Colinas do Sul, Monte Alegre, Nova Roma, São João D’Aliança e Teresina. Do total, 191 mil hectares (83%) estão na Área de Proteção Ambiental (APA) do Pouso Alto, uma reserva estadual de “uso sustentável” que deveria tornar ações humanas mais amigáveis ao Cerrado e reduzir delitos ambientais ao redor do Parque da Chapada.
O desmate (vermelho) por agropecuária na APA do Pouso Alto (cinza) até 2022. Ao centro, o traçado do Parna da Chapada dos Veadeiros até 2017, quando passou de 65 mil ha para 240 mil ha. | Foto: MapBiomas
Conservacionistas estão preocupados com essa situação, especialmente devido ao fracionamento e ao desmatamento da vegetação nativa, que ocorrem principalmente no Centro-Oeste do país, uma área crucial para a conexão entre diferentes biomas e essencial para a sobrevivência das onças-pintadas.
A destruição do habitat expõe os felinos a vários riscos, como caça, mortes por atropelamento, complicação com a alimentação e também fragiliza populações isoladas pela cruza de animais aparentados. Além disso, fragiliza populações isoladas, aumentando a possibilidade de problemas genéticos entre os animais.
O desmatamento na região tende a aumentar caso os planos diretores municipais sejam alterados para permitir a expansão das áreas urbanas, devido ao aumento expressivo de loteamentos e turismo na área. No ano passado, apenas o parque nacional registrou 80,2 mil visitas, um aumento de 900% em relação às 8 mil visitas contabilizadas em 2000, segundo dados do Governo Federal.
No entanto, o aumento do turismo não impediu a ocorrência de crimes ambientais. Desde 2017, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) registrou mais de R$ 2,7 milhões em multas por desmatamento, caça ilegal e obstrução da fiscalização dentro da área protegida.
Além disso, a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) aplicou multas que somam R$ 100 milhões desde 2019 em Goiás. Na região dos Veadeiros, os principais crimes ambientais são relacionados ao parcelamento irregular do solo e ao uso da água sem outorga, conforme relata a agência estadual.
Em janeiro, com imagens de satélite e comprovação em campo, a fiscalização estadual goiana flagrou quase 1.000 hectares desmatados entre a APA do Pouso Alto e o território quilombola Kalunga, onde descendentes de escravizados mantêm história, cultura e o Cerrado.
Destruição do Cerrado
O drama vivido na região da Chapada dos Veadeiros reflete um cenário comum no passado e que assombra o futuro de outras áreas do Cerrado. Metade desse bioma já foi destruída, e o crescimento do agronegócio, especialmente nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, continua a pressionar a região. O desmatamento do Cerrado é autorizado principalmente pelos estados, conforme previsto em uma lei federal de 2011.
No entanto, cerca de metade das licenças concedidas apresenta irregularidades, como a incidência em áreas griladas ou a ausência de análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR), ressalta Pedro Bruzzi, engenheiro florestal e representante de organizações não governamentais do Centro-oeste no Conselho Nacional do Meio Ambiente.
O CAR é um registro obrigatório da legislação florestal, e a norma federal permite desmatamentos de 50% a 80% em fazendas no Cerrado, em contraste com a Amazônia, onde as derrubadas são limitadas a no máximo 20% dos imóveis rurais. Esse desmatamento tem um impacto significativo no clima global, pois o Cerrado armazena em média o dobro do carbono mantido por hectare na Amazônia.
Além disso, a legislação florestal do Cerrado indica um “excedente” de 1,84 milhão de hectares em Reservas Legais, o que significa que uma área equivalente a cerca de um terço do território da Paraíba ou metade de Taiwan ainda pode ser desmatada. Esse dado é do Observatório do Código Florestal.
A escassez de parques e outras unidades de conservação é mais um desafio enfrentado pelo Cerrado. Apenas 8,68% do bioma está protegido nessas áreas, sendo que apenas 2,89% têm uma proteção mais restrita. Essas informações são de um painel sobre reservas ecológicas brasileiras. No entanto, as metas internacionais de conservação estabelecem que pelo menos 30% da biodiversidade seja formalmente protegida até 2030. Isso representa um desafio adicional para a proteção de espécies como a onça-pintada, já que apenas a Amazônia se aproxima desse percentual, com 28,5% de suas terras protegidas em unidades de conservação.
Corredores ecológicos
Corredor ecológico ou corredor de biodiversidade são áreas que unem os fragmentos florestais ou unidades de conservação separados por interferência humana, como por exemplo, estradas, agricultura, atividade madeireira.
O objetivo do corredor ecológico é permitir o livre deslocamento de animais, a dispersão de sementes e o aumento da cobertura vegetal. Ele reduz os efeitos da fragmentação dos ecossistemas ao promover a ligação entre diferentes áreas e permitir o fluxo gênico entre as espécies da fauna e flora. Esse trânsito permite a recolonização de áreas degradadas, em um movimento que de uma só vez concilia a conservação da biodiversidade e o desenvolvimento ambiental na região.
O conceito surgiu durante os anos 90, em meio a debates na comunidade científica. Ele foi considerado como uma das principais estratégias a utilizar na conservação da biodiversidade. No Brasil, o conceito foi incorporado à legislação em 1993 pelo decreto Decreto nº 750, já revogado, que dispunha sobre “o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica”. Ali havia a proibição de “exploração de vegetação que tenha a função de (…) formar corredores entre remanescentes de vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração”.
Hoje, a matéria está disposta na lei do SNUC que, através do art. 25, determina que “as unidades de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio Natural, devem possuir uma zona de amortecimento e, quando conveniente, corredores ecológicos”.
Os corredores são criados com base em estudos sobre o deslocamento de espécies, sua área de vida e a distribuição de suas populações. A partir das informações obtidas são estabelecidas as regras de utilização destas áreas, a fim de amenizar e ordenar os impactos ambientais das atividades humanas. Estas regras farão parte do plano de manejo da Unidade de Conservação à qual o corredor estiver associado.
*Com informações do Portal Eco
FONTE: JORNAL OPÇÃO