Especialistas ouvidos pelo Correio afirmam que Brasília precisa ser a “natural protagonista” do desenvolvimento da região do Entorno. GDF diz estar em diálogo com o governo de Goiás para levar infraestrutura às cidades vizinhas
As ligações entre o Distrito Federal e as cidades que o circundam vão muito além da proximidade geográfica. Os números da última Pesquisa Metropolitana por Amostra de Domicílio (Pmad), divulgada em 2021 pelo Instituto de Pesquisa e Estatística (IPEDF), apontam que 128 mil pessoas empregadas da Periferia Metropolitana de Brasília (PMB) trabalham no DF e cerca de 100 mil cidadãos goianos desses municípios buscam os serviços de saúde em unidades da capital do país.
O levantamento estima que os moradores de 42,8 mil domicílios da PMB vêm ao Distrito Federal para atividades de cultura e lazer. A Periferia Metropolitana de Brasília é formada pelo DF e 12 municípios circunvizinhos, que possuem fluxos e relações de natureza metropolitana com a capital do país. O Correio ouviu especialistas que opinaram sobre como essa relação pode se fortalecer ainda mais e o que o Governo do Distrito Federal (GDF) precisa fazer, junto ao governo de Goiás, para potencializar a ligação.
Professor titular de urbanismo e planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU/UnB), Benny Schvarsberg lembra que, em janeiro de 2023, o estado de Goiás criou a Região Metropolitana do Entorno do Distrito Federal (RMEDF). “Por um lado, a iniciativa foi positiva, ao propor dispositivos legais para a gestão e planejamento integrado de serviços e infraestrutura necessária para cidades tão precárias e carentes”, destaca. “Porém, a criação foi unilateral, ou seja, esqueceu de combinar com o DF, com quem deveria ter se articulado, pois o desenvolvimento da região beneficia as duas unidades da Federação”, pondera.
De acordo com o especialista, as projeções para o desenvolvimento das cidades do Entorno são desiguais. “O ponto central é que o Eixo Sul é o mais forte, pelo maior adensamento populacional e conurbação (fenômeno que resulta na junção de duas ou mais cidades, a ponto de ultrapassar os limites territoriais umas das outras) mais clara com o DF; é uma continuidade urbana natural. Se fosse decidir pela localização de um novo centro metropolitano, a meu ver, seria na fronteira entre o Sul do DF (Gama e Santa Maria) e Valparaíso-GO”, avalia Schvarsberg (confira o infográfico).
Protagonismo
Só que, para alcançar esse desenvolvimento, o professor da UnB aponta um caminho longo a seguir. “Todas essas cidades ganhariam se houvesse um planejamento e gestão mais integradas de funções públicas de interesse comum, especialmente nos serviços de transportes e saneamento básico — água, esgoto, lixo, etc.”, explica. “O crescimento ordenado dessas cidades contribuiria para um desenvolvimento regional com reflexos positivos para o DF, Goiás e todo o Centro-Oeste”, acrescenta o urbanista. “Particularmente, o DF seria grande beneficiário da melhoria de equipamentos e infraestrutura do Entorno Metropolitano, ao aliviar a sobrecarga diária de quase 1 milhão de habitantes dessas cidades sobre os serviços públicos, atualmente insuficientes para a população do DF”, ressalta o especialista.
Também professor da UnB, o arquiteto e urbanista Frederico Flósculo Barreto reforça que as cidades da PMB estão sob impacto direto da capital durante todos os 63 anos de idade do DF. “Brasília, antes de mais nada, drena recursos dessas regiões, sobretudo depois da crise hídrica (com a Corumbá IV). Além disso, utilizamos recursos humanos, pois as pessoas de lá trabalham aqui”, acrescenta.
Para Flósculo, é fundamental que o GDF faça alguma coisa para melhorar a situação dessas localidades. “Essas cidades podem sofrer a força gravitacional do DF, que vai se expressar na forma de especulação imobiliária. Isso já acontece há muito tempo, por exemplo, em Luziânia”, afirma. “A cidade teve grande parte de sua área rural recortada pela especulação imobiliária, que transformou a área rural em loteamentos que nunca deram inteiramente certo”, observa.
Além disso, o urbanista ressalta a necessidade de se criar uma grande integração viária entre todos esses municípios. “Tem que surgir, com urgência, um grande anel viário e ferroviário que pegue Formosa, Luziânia, Cocalzinho e Santo Antônio do Descoberto, por exemplo. Todos esses núcleos urbanos do Entorno têm que ser integrados entre si e não apenas radialmente, com Brasília no centro dessa irradiação de drenagem de recursos”, aponta.
O especialista destaca que o futuro de todos esses municípios depende, crucialmente, do protagonismo do Distrito Federal. “Exercer esse papel implica coordenar, sistematicamente, as ações de políticas públicas que mantêm cada um desses municípios no caminho do desenvolvimento realmente integrado”, comenta. “Praticamente todos eles têm recursos técnicos, quadros técnicos, profissionais de planejamento e implementação de ações extremamente limitadas. O DF, ao contrário, ‘nada em recursos’ e os emprega muito mal”, critica Flósculo.
“A integração deve ser física. Cabe o desenvolvimento imediato de uma malha ferroviária que perpasse todos ou quase todos os municípios e que, finalmente, chegue a Brasília e a outras cidades. Sem um plano do tipo, grande parte desses municípios permanecerá presa a uma dinâmica econômica extremamente lenta e cruelmente atrasada”, alerta o professor da UnB.
Tratativas
Ao Correio, o secretário de Governo (Segov), José Humberto Pires de Araújo, disse que o diálogo do GDF com o governo de Goiás, em relação às questões que envolvem o Entorno, está sendo muito bem conduzido. “Estão ocorrendo reuniões sistemáticas para elaboração de um termo de cooperação entre o estado de Goiás e o Distrito Federal, somado com as prefeituras que fazem divisa aqui com o DF, principalmente as mais próximas”, afirma.
Segundo José Humberto, esse termo de acordo deve envolver não só o transporte público, mas a área de infraestrutura, saúde, educação e segurança. “São questões que estão sendo discutidas, porque não é possível fazer investimentos, nem deslocar equipamentos para atendimento do estado vizinho, sem que haja uma autorização oficial, ou seja, um acordo formal entre as partes”, esclarece. “O documento está sendo elaborado e discutido para fins de sua efetivação”, ressalta.
Na questão específica do transporte, o gestor da Segov comenta que está em diálogo com o governo federal. “O transporte público do Entorno é mais complexo por ter o custo bastante elevado; e, nesse momento, o levantamento de custo está sendo feito a quatro mãos — governo do Distrito Federal e União —, para que seja definido qual vai ser a estratégia de enfrentamento dessa questão do transporte na região do Entorno, que tem ligação direta com o DF”, explica. À reportagem, a Segov disse que não há data definida para a efetivação do termo e o término do levantamento.
Fonte: Correio Braziliense