Entenda como quebra de sigilo telefônico e bancário ajudou a polícia a associar PMs a série de homicídios

PMs são suspeitos de matar sete pessoas para se livrarem de provas relacionadas ao assassinato de empresário, em Anápolis. A partir da quebra de sigilo, investigação passou a cruzar informações, desenhar a cronologia dos fatos e a relação entre as mortes. Um documento do Ministério Público de Goiás (MPGO), obtido pelo g1, revela como a quebra de sigilo bancário e o rastreio de aparelhos celulares ajudaram a Polícia Civil nas investigações que resultaram na prisão de dez policiais militares, em 19 de setembro, em Goiás. Os PMs são suspeitos de matar sete pessoas para se livrarem de provas relacionadas ao assassinato do empresário Fábio Alves Escobar Cavalcante, ocorrido em 2021, em Anápolis. – Veja quem são os PMs presos no final do texto.

O g1 entrou em contato com a defesa de cinco policiais militares presos, por meio de mensagens enviadas às 16h30 desta segunda-feira (25), e aguarda retorno. A reportagem não localizou a defesa dos outros cinco PMs.

A denúncia afirma que, a partir da quebra de sigilo bancário e telefônico, a investigação passou a cruzar informações, desenhar a cronologia dos fatos e a relação entre as mortes. Exemplo disso, foi a constatação que alguns dos policiais investigados tinham movimentações bancárias incompatíveis com os rendimentos da Polícia Militar.

Segundo o documento, o policial Marcos Jesus Rodrigues (que está preso) movimentou cerca de R$ 6 milhões durante o período de 4 anos. Já Almir Tomás de Aquino Moura (também preso) movimentou R$ 5,8 milhões.

O documento não informa qual seria a motivação para o assassinato do empresário Fábio Alves. Apesar disso, apresenta uma série de provas que indicam que os policiais militares praticaram outros homicídios, simulando confrontos, para tentar encobrir a morte dele.

Além de Fábio, outras sete pessoas também foram assassinados. São elas:

Bruna Vitória Rabelo,
Gabriel Santos Vital,
Gustavo Lage Santana,
Mikael Garcia de Faria,
Bruno Chendes,
Edivaldo Alves da Luz
Daniel Douglas de Oliveira.
O roubo de celulares
A denúncia narra que, meses antes do crime, um celular Samsung estava com Bruna Vitória. A mulher era namorada de um traficante de drogas, dono de um aparelho Motorola.

Em depoimento, o traficante disse que o casal estava em um motel, quando foram abordados por policiais militares. Ele afirma que os PMs o espancaram e, por fim, roubaram os dois celulares.

Após o fato, o casal registrou um boletim de ocorrência, no dia 1º de junho de 2021. O traficante disse ter reconhecido como seus agressores os policiais militares Glauko Olivio de Oliveira e Kallebe de Oliveira Pereira (ambos presos), além de também ter identificado o número da viatura 10499.

Sobre isso, a denúncia afirma que há um documento da Força Tática da PM que confirma que, naquele dia, Kallebe realmente estava escalado para trabalhar na viatura citada pelo traficante. Já Glauko estava escalado para outra viatura, junto com o militar Rodrigo Moraes Leal (que está preso).

A denúncia afirma que no dia seguinte ao roubo dos celulares, Kallebe realizou uma pesquisa no Google sobre como destravar aparelhos Motorola e sistema Android. Os mesmos que foram roubados do traficante e da namorada dele.

Outra informação relevante citada na denúncia, é que no dia 15 de junho o policial Marcos Jesus Rodrigues (aquele que movimentou R$ 6 milhões em 4 anos) consultou o número de CPF do empresário Fábio Alves em um sistema da Secretaria de Segurança Pública.

Dados do IP da consulta estavam registrados em nome do PM Almir Tomas de Aquino Moura (aquele que movimentou R$ 5,8 milhões).

Pesquisas antes dos crimes
No dia 21 de junho, um novo chip passou a operar no celular Samsung – aquele que pertencia à Bruna e foi roubado. Segundo as investigações, foi o número desse chip que entrou em contato com o empresário Fábio Alves, o atraindo para a emboscada que resultaria em sua morte dois dias depois.

O documento afirma que quem colocou o novo chip no aparelho Samsung foi o policial Glauko. Diz também que o celular dele estava conectado na internet na casa do policial Erick Pereira da Silva.

A morte do empresário
O empresário Fábio Alves foi assassinado a tiros por dois homens, na noite do dia 23 de junho de 2021. As informações são de que os criminosos estavam em um carro e usavam máscaras tipo “balaclava”.

A denúncia afirma, a partir das investigações, que o policial militar Welton da Silva Vieiga participou do homicídio do empresário. Isso porque, nos três dias em que o aparelho Samsung ficou operando o chip mencionado, o celular estava nas imediações do endereço residencial de Welton.

Em dezembro do ano passado, o policial virou alvo em outro caso de homicídio. Com isso, a polícia acabou indo até a casa dele cumprir um mandado de busca e apreensão. Durante o cumprimento da ordem, Welton reagiu atirando nos policiais civis e, na sequência, cometeu suicídio.

Em sua residência foram localizadas três armas de fogo (todas calibre 38), 49 munições, duas máscaras tipo “balaclava”, uma placa de veículo e roupas sujas de sangue.

Outro elemento importante para a investigação é o fato de que a esposa de Welton está envolvida em três ocorrências de morte por intervenção policial junto com o marido e os policiais: Almir e Marcos Jesus.

“Ou seja, tais policiais militares se conhecem e já trabalharam juntos. Inclusive, Marcos Jesus e a esposa de Welton efetuaram transações financeiras entre si, totalizando a quantia de R$ 63 mil”, destaca a denúncia.
As mortes de Gabriel, Gustavo e Mikael
Em 23 de agosto de 2021, dois meses após a morte do empresário Fábio, foi registrado um confronto policial, também no período noturno. Durante essa ocorrência, foram mortos: Gabriel Santos Vital, Gustavo Lage Santana e Mikael Garcia de Faria.

Segundo a denúncia, todos eles eram amigos de Bruna Vitória e do traficante.

O documento afirma também que estão envolvidos nesse confronto os policiais: Glauko (preso), Rodrigo (preso), Thiago Marcelino Machado (preso), Wembleyson de Azevedo Lopes (preso), Jhonatan Ribeiro de Araújo (preso) e Adriano Azevedo Souza (preso).

Na época, eles disseram à Subdelegacia de Terezópolis que, durante uma abordagem, os três homens teriam causado acidentes de trânsito, fugido para uma região de mata e efetuado disparos contra a equipe policial. Por conta dessas agressões, eles revidaram os tiros e, consequentemente, causaram a morte do trio.

No entanto, dados extraídos da quebra de sigilo dos telefones dos PMs, constataram que o policial Marco Aurélio Silva Santos enviou mensagens para os policiais Thiago e Adriano confessando que havia sido colocado um rastreador no carro de uma das vítimas.

As conversas também mostraram que Marco Aurélio enviou mensagens informando a localização em tempo real das vítimas antes do crime, bem como fotos da placa do carro.

“Os policiais militares envolvidos possuíam total controle da situação e não havia agressão injusta por parte das vítimas, retardando deliberadamente o suposto confronto para o período noturno, horário em que a rua ficaria com menos movimento de pessoas e carros”, afirma o documento.
A morte de Bruna
Após a morte de Gabriel, Gustavo e Mikael, ainda no dia 23 de agosto de 2021, Bruna Vitória também foi morta a tiros por dois homens, que estavam em uma moto.

O traficante, que era namorado da mulher, estava com ela no momento, mas conseguiu sair ileso. Em depoimento, ele reconheceu, novamente, o policial Glauko como sendo um dos atiradores.

A denúncia afirma que os policiais plantaram uma arma na cena do crime. O objetivo era responsabilizar Gabriel, Gustavo e Mikael pela morte da amiga Bruna.

As mortes de Daniel, Bruno e Edivaldo
Conforme o documento, no dia 19 de fevereiro de 2022, aproximadamente às 4h, os policiais Glauko, Thiago e Wembleyson, efetuaram disparos de arma de fogo durante um suposto confronto e acabaram causando a morte de Bruno Chendes, Edivaldo Alves da Luz e Daniel Douglas de Oliveira.

Segundo a denúncia, os três homens mortos eram amigos do traficante. Inclusive, estiveram com ele pouco antes de serem mortos.

O documento também cita que, nesta ocorrência, foram apreendidas armas de fogo e um bloqueador de sinal de rádio. Os PMs declararam que não encontraram nenhum aparelho celular. Mas, no mesmo dia do confronto, foram registrados três telefones em nome de Bruno, em horários em que ficou comprovando que a vítima já estava morta.

As investigações constataram que as três vítimas foram torturadas até a morte para que fornecessem informações sobre o paradeiro do traficante.

“Os policiais militares declararam que foram efetuados 35 disparos de arma de fogo no suposto confronto, mas apenas uma cápsula foi encontrada pela perícia, sendo isso indicativo de adulteração do local do crime”, destaca o texto
Nesse trecho, a denúncia afirma que era muito importante para os policiais que o traficante fosse localizado. Isso porque, ele havia reconhecido Glauko em outras situações criminosas.

Relações entre os PMs e as mortes
Após a exposição dos fatos, a denúncia explica e reforça qual a relação entre os policiais militares e as mortes. Entenda:

O policial Welton da Silva integrava o mesmo batalhão dos militares Marcos Jesus e Almir Tomás. Todos acabaram sendo investigados pela morte do empresário Fábio Alves.

Marcos Jesus era investigado pela morte do empresário por ter acessado os dados cadastrais da vítima alguns dias antes de sua morte.

Almir Tomás era investigado pela morte do empresário por ser o titular da Internet utilizada para a pesquisa.

O policial Welton era amigo próximo do policial militar Thiago Marcelino. Os dois, inclusive, estacionavam carros um na garagem do outro.

Thiago Marcelino era amigo próximo do PM Erick Pereira da Silva (preso).

Erick é apontado como dono da rede de wifi em que um celular Samsung foi conectado e usado para atrair o empresário Fábio Alves para a emboscada.

Para supostamente encobrir as provas do crime de homicídio contra o empresário Fábio Alves, Bruna Vitória foi morta a tiros.

Um traficante era namorado da mulher e sobreviveu ao ataque. Em depoimento, ele afirma que um dos policiais responsáveis pela morte da Bruna é o policial Glauko.

Gabriel, Gustavo e Mikael, que eram amigos da mulher, foram mortos em um suposto confronto com os policiais Glauko, Thiago, Adriano e Wembleyson.

As investigações sugerem que os policiais plantaram uma arma de fogo na cena do suposto confronto. O objetivo era responsabilizar as vítimas pela morte de Bruna.

Apesar do policial Marco Aurélio (preso) não estar na equipe, a denúncia afirma que ele estava monitorando as vítimas e passando informações em tempo real para Thiago e Adriano.

Na tentativa de localizar o traficante, os PMs Glauko, Thiago Marcelino e Wembleyson, em outro suposto confronto com disparos de arma de fogo, mataram Bruno Chendes, Edivaldo e Daniel, que eram amigos dele.

PMs presos em operação mataram sete pessoas para se livrarem de provas de outra morte
PMs presos em operação mataram sete pessoas para se livrarem de provas de outra morte

Veja quem são os PMs presos:
Glauko Olívio de Oliveira
Marcos Jesus Rodrigues
Almir Tomás de Aquino Moura
Erick Pereira da Silva
Thiago Marcelino Machado
Adriano Azevedo Souza
Wembleyson Azevedo Lopes
Jhonatan Ribeiro de Araújo
Marco Aurélio Silva Santos
Rodrigo Moraes Leal
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública, junto com outras as Forças de Segurança afirmou que “não compactua com nenhum tipo de desvio de conduta”. A Corregedoria da PM-GO informou que abriu os os procedimentos legais cabíveis.

Sobre a prisão dos PMs, a SSP detalhou que o Comando de Correições e Disciplina da PM acompanhou o cumprimento de mandados de prisões temporárias e de busca e apreensão, feitos pela 1ª Vara Criminal da Comarca de Anápolis.

Posted in All

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *