Em 1994, a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) criou uma metodologia para catalogar o grau de ameaça de extinção dos seres vivos. Seguindo os critérios da IUCN, cientistas podem reunir informações sobre animais, plantas, fungos, protozoários de todo o planeta e comunicar o risco que sofrem de forma padronizada nas chamadas Listas Vermelhas.
Desde então, com o aumento da preocupação ambiental em todo o mundo, as Listas Vermelhas se tornaram ferramentas para basear políticas públicas. No Brasil, o código florestal (Lei 12.651/12) faz referência às listas para orientar medidas de compensação ambiental, por exemplo. O país tem uma Lista Vermelha atualizada pelo menos a cada dez anos com informações gerais sobre todo o território.
Devido à diversidade de espécies brasileiras, entretanto, a maioria dos estados investiu na criação de suas próprias listas, com informações especializadas para seus próprios biomas. Existem incentivos para que os estados busquem conhecer o grau de conservação de suas espécies, como a obtenção de selos ambientais e a atração de empresas sustentáveis. Atualmente, Goiás está no processo de compilação dos dados para criar sua primeira Lista Vermelha da IUCN.
Medindo a ameaça
Em 2021, Fausto Nomura, doutor em Zoologia e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), foi contatado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) para intermediar o contato entre secretaria e o programa de pós graduação em Biodiversidade Animal. As instituições concordaram em colaborar para produzir a Lista Vermelha de Goiás, com informações sobre todos os grupos de vertebrados (peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos) e alguns invertebrados (aracnídeos, libélulas, dípteras e abelhas).
Franciele Parreira, supervisora do projeto na Semad, afirma: “Hoje, poder público e pesquisadores em Goiás têm de trabalhar com a lista nacional de espécies ameaçadas. Ocorre que essa lista não é o suficiente, porque desconsidera circunstâncias regionais. Pode ser, por exemplo, que uma espécie não esteja ameaçada no âmbito nacional, mas que as populações que vivam em Goiás estejam sob iminente risco.”
Entretanto, não basta conhecer o tamanho das populações. Para saber o quanto um animal está ameaçado, cientistas levam em consideração todo tipo de informação sobre as espécies. Animais de hábitos especializados, que se alimentam ou reproduzem apenas em condições específicas, são mais sensíveis. O valor comercial dos indivíduos também aumenta sua vulnerabilidade: espécies valorizadas como caça ou como animais de estimação ganham um nível extra de preocupação. A sua distribuição pelo território também é um dado relevante — algumas espécies são mais ameaçadas porque vivem em áreas de interesse para a agropecuária, para a mineração ou para o alagamento das hidrelétricas.
“Na etapa atual, estamos organizando todas as informações sobre cerca de 2.600 espécies”, afirma Fausto Nomura. “Não temos informações o suficiente sobre 10% a 25% dessas espécies; portanto as classificamos como ‘deficiente de dados’. Na próxima etapa, chamada ‘oficina de avaliação’, convidaremos técnicos e cientistas que trabalham com o tema para avaliar as informações coletadas.”
Fausto Nomura explica que, para a próxima etapa, a proposta de classificação das espécies de acordo com seu status de risco será apresentada a uma comissão externa e independente, formada por especialistas que não participam das oficinas. Essas autoridades vão revisar os dados e, caso considerem a proposta consistente, Goiás terá sua primeira Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas. Técnicos e cientistas envolvidos estimam que a Lista será publicada em 2024.
Usos da Lista Vermelha
Franciele Parreira, supervisora do projeto na Semad, afirma que o trabalho de elaboração dessa lista está contribuindo com outras áreas e projetos da Semad, porque, para construi-la, a secretaria teve de montar uma lista de ocorrência de espécies a partir de dados que não estavam sistematizados. “O Governo agora já tem a lista de espécies que ocorrem em território goiano, e está pronto para formatar as informações sobre o estado de conservação”.
A posse dessas informações beneficiará, por exemplo, o licenciamento ambiental concedido pela Semad. “Toda atividade que implique em interferências no meio ambiente precisa ter licença emitida pelo órgão competente e, com dados mais precisos sobre a ocorrência das espécies, a Semad se habilitará a fazer análises mais adequadas sobre o impacto que um determinado empreendimento vai causar no ecossistema”, diz Franciele Parreira.
O código florestal brasileiro prevê um mecanismo para contrabalançar os danos ambientais decorrentes do licenciamento ambiental. Quando um empreendedor ou o próprio estado for incapaz de cumprir sua obrigação legal de mitigar impactos, o dano ao meio ambiente deve ser compensado financeiramente. A Lista Vermelha é fundamental para medir os prejuízos à fauna e flora, logo, para estimar a compensação ambiental adequada que deve ser imposta ao Poluidor-Pagador.
Dados abertos
Parte das informações coletadas para a criação da Lista Vermelha da IUCN de Goiás ficarão disponíveis ao público em uma plataforma chamada BioData. A Semad construirá uma interface de consulta em que os usuários poderão acessar as fichas das espécies para conhecer sua biologia. As pessoas também poderão contribuir informando ao BioData suas próprias observações das espécies, gerando informações adicionais.
Fausto Nomura comenta esse incentivo à Ciência Cidadã: “No sistema BioData, vamos compilar as informações sobre a história natural, alimentação, habitat, distribuição das populações. Nesse sistema, cada espécie aparecerá em um mapa interativo com os pontos onde já foi encontrada. Esperamos que grupos de naturalistas amadores, como observadores de pássaros, contribuam para complementar o sistema.”
Fonte: Jornal Opção