O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a retirada de pauta do processo que trata da correção das contas do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
O caso está previsto para ser retomado na quarta-feira (8). Até o momento, há dois votos a favor de se alterar o cálculo de correção do fundo, para que não seja inferior ao rendimento da poupança.
Em documento enviado ao ministro Roberto Barroso, presidente da Corte, a Advocacia-Geral da União (AGU) pede que o julgamento seja remarcado para daqui a 30 dias.
Segundo o órgão, há uma tentativa de construir um acordo entre governo e sindicatos. Uma reunião para discutir o tema foi feita na terça-feira (31) com representantes da AGU, do Ministério do Trabalho, da Caixa Econômica Federal e de seis centrais sindicais.
“A partir do impacto social, em especial para a política habitacional, e econômico que eventual provimento jurisdicional decorrente desta ação poderá ocasionar, e adotando como premissa comum a garantia da saúde financeira e a sustentabilidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), as instituições públicas presentes na reunião e as centrais sindicais comprometeram-se a envidar esforços na construção de uma proposta de resolução da controvérsia em debate, que seja capaz de conciliar proporcional e razoavelmente os interesses constitucionais sob apreciação desse Supremo Tribunal Federal”, diz o documento, assinado pelo advogado-geral da União Jorge Messias e integrantes do órgão.
Esse é o segundo pedido do governo para adiar a continuidade do julgamento. Na última vez, o caso foi retirado de pauta depois de uma reunião de Barroso com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no final de agosto.
O Supremo havia iniciado a análise do tema em abril. Um pedido de vista de Nunes Marques interrompeu o julgamento na ocasião.
Julgamento
Até o momento, há dois votos na Corte a favor de alterar o cálculo de correção do fundo, para que não seja inferior ao rendimento da poupança. Um é do relator do processo, Roberto Barroso, e outro é de André Mendonça.
Barroso defendeu que sua posição de alterar a correção do FGTS tenha efeitos só daqui para frente, ou seja, caso a maioria dos ministros siga o magistrado, essa mudança no cálculo só valerá após o julgamento, não afetando valores recebidos até então.
Além disso, o ministro afirmou que sua posição não traz “cadáver no armário”, ou seja, não gera passivo para o governo. Barroso citou dados apresentados pelo governo de que mudanças legislativas de 2017 e 2019 introduziram às contas do FGTS a remuneração de parte dos lucros do fundo, o que geraria rendimentos iguais ou superiores à inflação.
A ação foi proposta em 2014 pelo Solidariedade. Hoje o FGTS rende TR (Taxa Referencial) mais 3% ao ano. Com a mudança, a correção seria de TR mais 6% ao ano, índice usado para a poupança.
A ação foi proposta em 2014 pelo Solidariedade. O argumento principal é o de que a TR não acompanha a variação da inflação e acaba prejudicando o trabalhador, ao fazer com que o dinheiro depositado nas contas do FGTS seja corroído pelo aumento dos preços.
Por isso, o partido entende que a TR não deveria ser usada como índice de correção monetária. A sigla sugere como alternativas o IPCA-E, o INPC/IBGE ou “outro índice à escolha” da Corte “desde que inflacionário”.
Caso houvesse correção pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) entre 1999 e 2023, o ganho aos trabalhadores chegaria a R$ 720 bilhões, segundo estimativa do Instituto Fundo de Garantia, voltado a evitar perdas no FGTS por seus associados.
O governo é contra uma eventual mudança. Cita impactos bilionários no fundo, caso tenha que “reembolsar” valores do passado que não foram corrigidos pela inflação. Cálculos do então Ministério da Economia, de 2021, indicam que a União teria que colocar um montante de R$ 295,9 bilhões para manter o FGTS, se tivesse que atualizar pela inflação as contas desde 1999.
Em 2019, o relator do caso, ministro Roberto Barroso, suspendeu a tramitação de todos os processos na Justiça que discutem a correção do FGTS, até a conclusão do julgamento da matéria pelo STF.
Entenda
Além do FGTS, a TR também é um dos componentes que definem a rentabilidade da poupança. A taxa foi criada nos anos 1990, durante o governo Collor, com o objetivo de conter a tendência de indexação dos preços e salários e para combater a alta inflação no país durante o período.
Em 2022, a TR foi próxima de zero em todos os meses. Chegou a ficar zerada em fevereiro. No acumulado de janeiro do ano passado a janeiro de 2023, o valor foi de 1,63%. Para o mesmo período, por exemplo, a inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) foi de 6,34%.
Na ação, o Solidariedade argumenta que a TR acompanhava a inflação, mas teve uma queda abrupta a partir de 1999.
“Desde 1999, criou-se um quadro de esvaziamento não só formal, mas também material da garantia constitucional de propriedade dos titulares de contas de FGTS”, disse o partido. “Pode-se até afirmar que há, hoje, uma agressão ao núcleo essencial do próprio Fundo de Garantia, direito social de todos os empregados”.
O processo traz um exemplo hipotético: “Um trabalhador que tinha saldo de R$ 10 mil na conta do FGTS em agosto de 1999 e não fez novos depósitos receberia, pela regras atuais, R$ 19.689. Se a TR for substituída pelo INPC, o valor acumulado seria praticamente o dobro, R$ 38.867,00”, disse o Solidariedade, em valores correspondentes a 2014, ano do ajuizamento da ação.
“Assim, tem-se que, a cada mês que passa, as contas de FGTS estão sendo corroídas pela inflação, em franco desrespeito ao direito de crédito dos trabalhadores titulares”, declarou a sigla.
Impacto
Para o governo, a ação deve ser rejeitada porque houve alteração posterior da legislação. A Advocacia-Geral da União (AGU) argumentou que leis de 2017 e 2019 mudaram a forma de remuneração das contas do FGTS.
Conforme o órgão, o fundo passou a distribuir parte dos seus lucros aos trabalhadores, “de modo que a remuneração das contas passou a ser influenciada não apenas pela correção monetária, calculada através da TR, como também pela capitalização de juros de três por cento ao ano e pela distribuição dos resultados positivos auferidos”.
O novo cálculo, segundo a AGU, trouxe remunerações “superiores” às da TR e à inflação.
A AGU também estima um impacto bilionário nos cofres públicos, caso o STF decida favoravelmente ao pedido na ação, e entenda que a eventual decisão vale de forma retroativa a 1999.
De acordo com as estimativas, se o FGTS fosse corrigido pelo INPC ou IPCA-E, de 2000 a 2019, o valor das contas alcançaria os montantes de R$ 830,1 bilhões e R$ 822,8, respectivamente.
“Nessa situação, a manutenção do FGTS dependeria de aporte da União em montante equivalente a R$ 295,9 bilhões”, disse a AGU. “Valor superior à meta de déficit primário projetado para todo o ano de 2021, de R$ 251,1 bilhões, conforme a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) [então] vigente”.
A Caixa Econômica Federal, responsável por operar o FGTS, calcula que a diferença entre as correções do saldo depositado nas contas, de 1999 a 2022, entre a regra vigente e o uso do INPC é de aproximadamente R$ 661 bilhões.
“Por sua vez, tendo em vista que o patrimônio líquido do FGTS (valores disponíveis em caixa) totalizava, de acordo com o Relatório de Gestão de 2021, cerca de R$ 118 bilhões, resta claro o risco de continuidade operacional do fundo”, afirmou a AGU.
“Aliás, a diferença entre o potencial impacto ao FGTS (R$ 661 bilhões) e o seu patrimônio líquido poderia resultar na necessidade de aporte da União em aproximadamente R$ 543 bilhões”.
Fonte: CNN