Em 31 de outubro de 2023, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), concluiu o julgamento de Joesley Mendonça Batista, Wesley Mendonça Batista e J&F Investimentos S.A., que havia sido iniciado em 29 de maio de 2023, pelo eventual uso de informação privilegiada em período anterior à divulgação da delação premiada da presidência e de altos executivos do grupo J&F Investimentos S.A.
A acusação remonta ao período entre fevereiro e maio de 2017, momento em que foram apuradas supostas movimentações atípicas da FB Participações e então controladora da JBS, por aquisição de ações de sua própria emissão, pela companhia investigada na Operação Tendão de Aquiles, da Polícia Federal.
O julgamento culminou na absolvição dos irmãos Batista das acusações de manipulação de preços, uso indevido de informação privilegiada, negociação de ativos em período vedado, violação ao dever de lealdade e abuso de poder de controle, em negócios realizados pela JBS S.A. e pela J&F com ações JBSS3. A única condenação proveniente do julgamento foi em desfavor da J&F Investimentos S.A., sucessora da FB Participações S.A., por negociação de ações da JBS em período vedado, sendo condenada em R$ 500 mil.
O voto dissidente da Diretora Flávia Perlingeiro, que previa, dentre outras, a inabilitação dos irmãos Batista por sete anos para o exercício de cargo de administrador ou de conselheiro fiscal de companhia aberta, além de multa de R$ 253.200.230,84 para J&F Investimentos S.A. pela utilização de informação privilegiada, não foi capaz de elidir a absolvição dos irmãos na CVM.
Historicamente, a CVM mantém posicionamento por configurar o insider trading em presunção relativa da existência e utilização da informação relevante, que ainda não tenha sido divulgada ao mercado, com negociação de valores mobiliários do próprio emissor a qual a informação se refere. No voto da Diretora Flávia Perlingeiro, foram apresentados mais de 20 processos sancionadores julgados pela CVM em que o conceito do ilícito penal e administrativo restou conceituado nestes moldes.
Todavia, o julgamento dos irmãos Batista e da J&F abriu um precedente para os próximos casos do Colegiado, sendo admitida a ponderação e atividade econômica do emissor para justificar a utilização da informação privilegiada. Nos termos do voto do Presidente João Pedro Nascimento, os acusados foram abonados pelo programa de recompra de ações aprovado pelo Conselho de Administração anterior a homologação da delação premiada, ante a existência de dívidas próximas ao vencimento, além de terem mantido a compra de ações de sua própria emissão em período posterior a homologação do acordo.
Em que pese a perícia criminal federal ter constatado a existência de atipicidade na movimentação de valores mobiliários em negociações similares da J&F Investimentos S.A., a posição vencedora no Colegiado prevaleceu por considerar que as movimentações foram justificadas, e, portanto, estariam dentro do plano de negócios da companhia e não tendo sido realizadas tendo como base a existência da informação privilegiada.
Assim, o julgamento revela dissonância da posição do Colegiado no tocante à presunção relativa da utilização da informação privilegiada, ante a existência de fator objetivo que possa elidir o insider trading, pela justificativa econômica da negociação dos valores mobiliários em si.
Essa presunção relativa na utilização da informação privilegiada já era, reiteradamente, utilizada pelo órgão e serviu como base para alteração das resoluções da própria CVM. No julgamento dos irmãos Batista e da J&F, a ótica prioritária convergiu para o comportamento econômico e diário da empresa, ainda que atípico. Em outras palavras, não se questionou a presunção, mas sim a objetividade no uso da informação de maneira direta.
Devemos acompanhar o desenrolar da ação penal, em trâmite, a qual ainda estão passíveis de condenação criminal os irmãos Batista e observar se o precedente julgado na esfera administrativa resvalará seus impactos no âmbito penal.
Lucas Cavalcanti Bizzo é advogado especialista em direito societário e de mercado e capitais
Gustavo Michel Arbach é sócio fundador do Arbach&Farhat Advogados e líder das áreas societária, M&A e mercado de capitais.
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Fundado em 2014, o Arbach & Farhat Advogados atua nas principais áreas do direito a partir de uma prestação de serviços jurídicos altamente personalizados para empresas e pessoas físicas. Aliados às circunstâncias sociais e econômicas de seus clientes, traçam a melhor estratégia conforme cada caso, sempre buscando uma parceria de longo prazo.