Crime aconteceu em janeiro de 2022 e os policiais foram presos em fevereiro do mesmo ano. Justiça pontuou que acusados não poderiam aguardar o júri presos sem elementos atuais que exijam a prisão preventiva.
21/08/2023
A Justiça de Goiás mandou soltar os sete policiais militares acusados de matar quatro homens em uma chácara de Cavalcante, no nordeste de Goiás. Na época do crime, que ocorreu em janeiro deste ano, a Polícia Militar informou que as vítimas eram suspeitas de tráfico de drogas. Já a Polícia Civil apontou que os quatro não tinham passagens criminais.
A decisão foi emitida pelo juiz Leonardo de Souza Santos na última segunda-feira (14) após um pedido feito pela defesa de um dos acusados, mas o documento que determinou a soltura se estendeu a todos os acusados. O documento mandou soltar os seguintes acusados:
- sargento Aguimar Prado de Morais;
- sargento Mivaldo José Toledo;
- cabo Jean Roberto Carneiro dos Santos;
- soldado Welborney Kristiano Lopes dos Santos;
- cabo Luís César Mascarenhas Rodrigues;
- soldado Eustáquio Henrique do Nascimento;
- e soldado Ítallo Vinícius Rodrigues de Almeida;
De acordo com a própria decisão, os militares estavam presos desde fevereiro de 2022, quando foi decretada prisão preventiva deles. Ao g1, a defesa dos militares, representada pelos advogados Tadeu Bastos, Fernando Cavalcante, Rodrigo Lustosa e Gilsaria Lourenço, disse acreditar que a decisão foi acertada, uma vez que o prazo da prisão já era prolongado por demais e não tinha nem previsão para a marcação do júri.
“A defesa conseguiu demonstrar que não existiam mais justificativas para a prisão”, disse a defesa, em nota.
Em novembro de 2022, seis dos sete policiais militares foram mandados pela Justiça de Goiás a júri popular. Na época, apenas Mivaldo José Toledo não tinha sido pronunciado para passar por Tribunal do Júri. Até esta sexta-feira (18), o g1 não conseguiu confirmar se a Justiça emitiu uma decisão o enviando para esse tipo de julgamento. A reportagem entrou em contato com a Polícia Militar para um posicionamento sobre a soltura, mas não obteve retorno até a última atualização deste texto.
Como o pedido de revogação da prisão foi feito pela defesa de Ítallo Vinícius Rodrigues, ao justificar a soltura, o juiz se referiu apenas a ele em seus argumentos. No entanto, ao fim do documento, estendeu os efeitos da decisão a todos os acusados. Os mandados de prisão já foram expedidos no nome dos sete policiais.
“Compreendo que o acusado não pode aguardar o julgamento cautelarmente segregado […] se não existe nenhum elemento concreto e atual que exija a prisão preventiva”, escreveu o juiz.
“Não há nenhum elemento recente que evidencie risco ponderável de que o acusado, uma vez solto, virá a praticar crimes”, complementou.
Para determinar a soltura, o juiz afastou a existência de risco à ordem pública e econômica. Ele também pontuou não acreditar existir risco concreto à aplicação da lei penal com a soltura, justificando não existir “nenhum elemento objetivo presente nos autos que aponte que o acusado [Ítallo Vinícius Rodrigues] pretenda evadir-se em local ignorado”.
A soltura foi estabelecida desde que cumpridas as seguintes medidas cautelares:
- o comparecimento mensal no Fórum de Goiânia;
- o recolhimento domiciliar noturno entre 22h e 5h;
- proibição em frequentar bares, casas de festa, shows e outros lugares em que se faça uso de bebidas, cigarros e substâncias ilícitas;
- uso de tornozeleira eletrônica;
- proibição de se ausentar da comarca de Goiânia sem autorização;
- proibição de manter contato com os familiares das vítimas e com as testemunhas e seus familiares;
- proibição de entrar nos municípios (perímetro rural e urbano) de Cavalcante, Colinas do Sul e Alto Paraíso de Goiás;
Investigação e indiciamento
Os policiais militares foram denunciados pelo Ministério Público por homicídio com emprego de recurso que dificultou a defesa das vítimas em março de 2022. Conforme a denúncia, um laudo apontou que uma das vítimas foi atingida quando já estava caída ao chão. O órgão apurou que os PMs ainda queimaram a vegetação do local para destruir a prova de que lá não havia uma plantação de maconha do tamanho que eles tinham informado.
O inquérito foi concluído pela Polícia Civil, que indiciou os policiais militares pelos crimes de homicídio qualificado e fraude processual, no dia 4 de março de 2022. Segundo a PC, os PMs foram presos no dia 25 de fevereiro.
Dias após o crime, o delegado Alex Rodrigues, que investigava o caso inicialmente, disse que os PMs disseram que constataram que havia cerca de 500 pés de maconha no local, além de porções prensadas e outras prontas para consumo. No entanto, parte da droga que foi incinerada no local antes da chegada da equipe da Polícia Civil. Essa ação não é a de praxe, segundo o delegado.
O crime aconteceu no dia 20 de janeiro de 2022. Na data, a PM informou à Polícia Civil uma equipe foi a uma propriedade rural, em local ermo e de difícil acesso, após receber uma denúncia de que ali haveria uma grande plantação de maconha. No registro, os PMs relataram que, chegando ao local, foram recebidos a tiros por um grupo e, por isso, tiveram que revidar com quase 60 tiros.
Ainda de acordo com o depoimento dos policiais militares, além dos quatro que foram baleados e morreram, haveriam outras três pessoas, que conseguiram fugir. A população de Cavalcante ficou revoltada com o episódio e defende que os quatro rapazes que foram mortos não tinham armas e não podem ter atirado contra os PMs. Durante o enterro de dois deles, houve uma manifestação pedindo por justiça.
Quem são os mortos
Mais de 100 entidades da sociedade civil organizada e de movimentos sociais assinaram uma nota de repúdio contra a ação da Polícia Militar. Na nota, eles ainda divulgaram ainda a identidade dos mortos durante a ação, entres eles, há um quilombola kalunga.
- Salviano Souza da Conceição: tinha de 63 anos, morava na chácara invadida pela polícia, era trabalhador rural e guia turístico;
- Ozanir Batista da Silva: tinha 47 anos, conhecido como jacaré, era trabalhador rural, mas estava desempregado. Ele estava no local para ajudar na colheita de uma lavoura de milho, segundo a família;
- Antônio da Cunha Fernandes: tinha 35 anos, conhecido como Chico Kalunga e era quilombola Kalunga, natural da Comunidade da Barra de Monte Alegre. Era trabalhador rural e também estava desempregado.
- Alan Pereira Soares: tinha 27 anos, já trabalhou formalmente como entregador e auxiliar de máquina industrial, mas estava desempregado e passou a sobreviver de trabalhos informais como capina de terrenos. Ele deixou uma filha de seis meses e uma companheira grávida de três meses.
Fonte: G1