Com mais de 300 mil nascimentos prematuros por ano, a mudança na lei é um alívio burocrático e emocional para famílias que enfrentam internações prolongadas.

Mudança na legislação garante segurança jurídica para famílias, empresas e até para o INSS. (Foto: Freepik)
Até recentemente, mães que davam à luz bebês prematuros ou com complicações de saúde começavam a contar os 120 dias da licença-maternidade ainda no hospital. Muitas vezes, sem poder segurar o filho no colo, dividindo a rotina entre boletins médicos e o som constante dos aparelhos de uma UTI neonatal.
Segundo o Ministério da Saúde, em 2022 foram registrados 303.477 nascimentos prematuros no Brasil — bebês que nasceram antes das 37 semanas de gestação e que, na maioria dos casos, precisaram de internação prolongada (duas semanas ou mais). Isso representa cerca de 12% de todos os partos do país e coloca o país entre os 10 países com mais nascimentos prematuros no mundo. Em média, esses bebês permanecem de 30 a 50 dias internados, podendo chegar a mais de dois meses nos casos mais graves.
Em Goiás, os números acompanham a média nacional: foram 10.502 prematuros em 2023 e 9.086 até meados de 2024, segundo dados mais recentes do Ministério da Saúde. A taxa de prematuridade no estado é de aproximadamente 11,1%.
Agora, com a aprovação da Lei Federal nº 15.222/2025, a garantia passa a estar claramente prevista na legislação trabalhista e previdenciária, eliminando dúvidas e fortalecendo o direito à convivência plena nesse momento sensível.
Na prática, a nova lei muda a forma de contar o prazo da licença-maternidade. Até então, o período começava no dia do parto (ou até um pouco antes), mesmo que a mãe e/ou o bebê precisassem ficar sob cuidados médicos.
Agora, se houver uma internação de mais de duas semanas por complicações relacionadas ao parto, esse tempo não será mais descontado da licença. O prazo de 120 dias só começa a contar quando a mãe e o bebê recebem alta hospitalar, garantindo que esse período seja realmente vivido juntos, em casa.
Por que essa mudança é tão importante
O advogado trabalhista Filipe Augusto Moura Meireles explica que a nova regra garante que o período de licença seja usado como deveria ser: para o cuidado e o vínculo com o recém-nascido em casa, e não durante um período de preocupações intensas dentro de uma unidade hospitalar.
“O maior avanço é que a mãe não perde mais parte da licença enquanto ela ou o bebê permanecem internados. A data de início passa a ser a da última alta, seja da mãe ou do recém-nascido”, explica. Para ele, ultrapassar a esfera das decisões judiciais para se tornar uma lei é um avanço para garantir segurança jurídica para as famílias, empresas e até para o INSS.
A importância dessa nova contagem vai além da esfera legal. Segundo o psicólogo Paulo Rosa, a separação entre mãe e bebê logo após o nascimento interrompe o que deveria ser um dos momentos mais essenciais do desenvolvimento humano: o vínculo inicial. “É uma fase vital. A qualidade desse vínculo pode repercutir por toda a vida da criança e também impactar o bem-estar emocional da mãe”, explica Paulo.
Quem tem direito
É importante lembrar que a nova regra não tem efeito retroativo. Isso significa que vale apenas para casos em que a internação e o parto ocorreram a partir da data em que a lei entrou em vigor: 29 de setembro de 2025.
A nova regra vale para mulheres com carteira assinada e também para seguradas do INSS, como autônomas, contribuintes individuais, MEIs e adotantes (em casos específicos). Segundo Filipe Meireles, “as profissionais contratadas como PJ que não contribuem para o INSS ficam fora da cobertura, salvo se houver previsão contratual ou em acordo coletivo”.
Porém, não alcança, por enquanto, mães que atuam como pessoa jurídica (PJ) sem contribuição ao INSS, a não ser que haja previsão contratual ou em acordo coletivo. Nem servidoras públicas, pois seguem as regras do ente federativo ao qual estão vinculadas (União, estados ou municípios).
Salário-maternidade também mudou
Além da mudança na CLT, a Lei nº 15.222 também alterou o artigo 71 da Lei nº 8.213/1991, que trata do salário-maternidade. Com a nova redação, o benefício previdenciário será pago durante todo o período de internação da mãe ou do recém-nascido (desde que por mais de duas semanas e por complicações relacionadas ao parto) e por mais 120 dias após a alta hospitalar, descontado o que já tenha sido pago antes do parto.
Em empresas que participam do Programa Empresa Cidadã, ainda é possível somar mais 60 dias ao período, desde que a funcionária faça o pedido.
É importante destacar que não se trata de “120 + 120” dias para todos os casos. O período adicional ocorre durante a internação e não duplica a licença. A nova lei apenas adia o início da contagem até que mãe e filho estejam fora do hospital. “O salário-maternidade também acompanha a nova regra: é pago durante a internação e segue sendo pago por até 120 dias após a alta, com abatimento do que eventualmente já tenha sido pago antes do parto”, explica o advogado trabalhista.
Também é importante esclarecer que o salário-maternidade substitui a renda do trabalho durante o período em que a mãe está afastada por motivos relacionados à maternidade. E que não é necessário nenhum intermediário para solicitação do benefício, disponível no aplicativo Meu INSS, a partir do login gov.br.
O que fazer para garantir o direito
Para garantir o cumprimento da lei, a mãe precisa apresentar:
- Declaração ou relatório do hospital com as datas de internação e alta.
- Certidão de nascimento do bebê.
- Documento de identidade.
Caso a empresa recuse a ampliação do prazo, o caminho é:
- Protocolar formalmente o pedido com a documentação na própria empresa, preferencialmente com cópia assinada como comprovante de entrega, ou via e-mail corporativo, mantendo o registro da solicitação.
- Buscar apoio no sindicato da categoria, Defensoria Pública, Conselhos Municipais de Direito das Mulheres ou Secretarias de Assistência Social, Ministério do Trabalho e associações como SOS Gestantes (Associação Brasileira de Defesa dos Direitos das Gestantes), ONG Prematuridade.com e Associação Materna.
- Acionar a Justiça do Trabalho, se necessário — não é obrigatória a intermediação de um advogado nesse tipo de ação, mas contar com um profissional pode facilitar o processo e aumentar as chances de êxito.
Um avanço necessário — mas ainda inicial
Paulo Rosa destaca que, segundo Freud, o nascimento já é considerado o primeiro trauma vivido pelo ser humano, por romper com a relação simbiótica e segura do útero. Quando esse processo é agravado por complicações médicas e separação forçada, estamos diante de um “trauma sobre trauma”. “Quem mais precisa de tempo para se recuperar, acaba sendo a mais prejudicada quando a licença começa a contar no momento do parto”, alerta o psicólogo.
Paulo também observa que, em contextos como esse, o período da licença-maternidade precisa ser preservado como tempo de convivência e reparação emocional, e não vivido em meio à tensão de visitas restritas, medo e falta de contato físico com o bebê .
Esse olhar psicológico reforça a importância da nova lei, pois ela permite que mães e bebês vivam esse início com mais tempo, presença e afeto — e não apenas sob o peso de boletins médicos e máquinas hospitalares.
A nova lei corrige uma distorção cruel: tirar do tempo de cuidado domiciliar um período em que a mãe não podia sequer pegar o filho no colo. É uma vitória silenciosa, mas com impacto direto na qualidade de vida das mães e no desenvolvimento dos bebês.
Ainda há muito a avançar. O próximo passo, defendem especialistas, é ampliar a licença-maternidade para seis meses para todas as mulheres e garantir estabilidade no emprego por igual período após o retorno. Até lá, celebrar cada conquista já é um passo importante.
FONTE : MAIS GOIAS
