José Norberto Ramos Leite é contra a resolução do CNJ, pois acredita que ela colocará na sociedade pessoas que ainda não têm condições psiquiátricas de conviver de forma pacífica.
08/09/2023
O hospital de custódia de Franco da Rocha é pioneiro na liberação com alta de presos com problemas psiquiátricos. De lá saiu o primeiro laudo médico, ainda nos anos 1980, que sugeria ao Poder Judiciário a desinternação de uma pessoa que cometeu crime possivelmente motivado por problemas psicológicos.
O psiquiatra José Norberto Ramos Leite foi quem assinou o laudo, que daria conta da liberação progressiva do preso, com acompanhamento psiquiátrico e com medicações.
“Casualmente, fiz o laudo que deu origem à jurisprudência. Sugeri a desinternação progressiva, e o juiz acatou”, relembrou.
O médico tem mais de 40 anos de carreira trabalhando na custódia de pessoas com doenças mentais que cometeram crimes. E, com sua experiência, ele revelou que não vê com bons olhos a resolução do Conselho Nacional de Justiça que pede o fechamento completo de todos os hospitais psiquiátricos até maio de 2024.
“Se não houvesse ninguém que em função de doença mental colocasse em risco terceiros, a sociedade aí fora, sem controle, tudo bem. Como isso vai ser organizado também é uma incógnita para mim”, argumentou.
Sem a existência dos hospitais de psiquiatria, o tratamento ficaria a cargo do Sistema Único de Saúde (SUS) e das famílias dos pacientes. E, segundo o médico, não é o melhor cenário depender das famílias, uma vez que nem todas têm capacidade de cuidar corretamente destas pessoas.
“Algumas famílias não aceitam de jeito nenhum, outras famílias têm muito medo, muito receio – quem viu alguém matar uma mãe, pai ou parente, por exemplo, às vezes, fica com isso”, explicou José Norberto.
CNJ explica funcionamento de resolução
Uma resolução publicada pelo Conselho Nacional de Justiça no final do mês de maio deste ano prevê que hospitais psiquiátricos deixem de existir até maio de 2024. A situação provocaria uma mudança na forma de tratar presos com problemas psiquiátricos: eles não teriam um local específico para se tratarem, e a partir de então, estariam de volta em contato com a sociedade.
A situação traz preocupação a todos os setores envolvidos na custódia destes pacientes. Médicos e funcionários acreditam que não há estrutura para o fim dos hospitais de custódia e parte dos presos com problemas psiquiátricos pode não estar pronta para o convívio com pessoas comuns e, principalmente, as pessoas próximas poderão estar despreparadas para lidar com situações de risco.
Luís Geraldo Santana Lanfredi, juiz auxiliar da presidência do CNJ, afirmou que esses pacientes deverão ser atendidos na estrutura do SUS.
“Aquelas situações em que uma pessoa tenha que ser desalojada sub cuidados, sob acompanhamento, desses espaços onde elas se encontrem, que elas sejam absorvidas pelo serviço que a rede já proporciona”, explicou o juiz.
Lanfredi explica que o objetivo do CNJ é prover atendimento aos presos com problemas psiquiátricos sem deixá-los esquecidos na sociedade.
“Temos aqui um bem maior de proteção também neste equilíbrio, ao mesmo tempo, de não vulnerabilizar a sociedade, mas também de valorizar essas pessoas que, a realidade mostra, ficam absolutamente esquecidas, relegadas à própria sorte, e sem o principal, que é o atendimento de saúde, que pode efetivamente – e todos nós apostamos nisso – dar condição de reestabelecer o convívio dessas pessoas diante das suas necessidades”, argumentou.
O Profissão Repórter desta terça-feira (5) contou histórias de pessoas que estão envolvidas no fechamento dos hospitais psiquiátricos em todo o país, atendendo à resolução do CNJ, e mostrou as dificuldades com o tratamento tanto para os pacientes, presos com transtornos mentais, como para os familiares deles e, ainda, para os médicos e funcionários das instituições de custódia.
Fonte: G1