O professor e advogado Carlos André lidera em Goiás o Movimento pela Defesa da Língua Portuguesa, um braço de uma ação nacional criada para reivindicar a inclusão imediata da Língua Portuguesa no Concurso Nacional Unificado (CNU) e em todos os concursos públicos do Brasil. A questão gerou polêmica, principalmente entre os educadores brasileiros, após ser divulgado, em janeiro, que a prova do “Enem dos Concursos” será dividida apenas em Conhecimentos Específicos baseados em blocos temáticos.
“O ser humano é linguagem. Nós nos comunicamos com base na nossa linguagem. E o que ferramenta a nossa linguagem no Brasil, em outros países que fazem parte da comunidade da língua portuguesa, é a nossa Língua Portuguesa, que não é meramente regra gramatical, mas a língua traz a cultura de um determinado país, traz o raciocínio de um determinado país e traz, principalmente, os valores desse país”, argumenta Carlos André em entrevista ao jornal A Redação. “Por isso a Constituição Federal da República Federativa do Brasil, lá no Artigo 13, determina que a Língua Portuguesa é a língua oficial da República. Então, por si só, a língua é importante porque ela faz parte dos símbolos da República e da Constituição”, completa.
Em meio à polêmica, a ministra Esther Dweck, de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, responsável pelo concurso, se manifestou publicamente dizendo que a Língua Portuguesa está inserida de maneira transversal na prova, incluída na avaliação discursiva, na interpretação das questões e na análise e uso formal do Português.
Carlos André discorda integralmente do posicionamento da ministra, ao ver a proposta do CNU sem o escopo necessário para uma avaliação de qualidade. “Essa é só uma das habilidades em que nós analisamos no conhecimento da Língua Portuguesa. Eu não consigo analisar [adequadamente] apenas por meio da redação se a pessoa sabe interpretar um texto e tem conhecimento gramatical. Eu não consigo analisar o todo”, argumenta.
Na visão do professor, a abordagem também é contraditória. “Quando eu falo que eu cobro Língua Portuguesa apenas em interpretação de questões que são de conhecimentos específicos, eu desprezo completamente a necessidade de alguém compreender a estrutura da língua”. Outra contradição, segundo Carlos André, é a sua manutenção na prova de nível médio. “Então quem fez graduação no Brasil já tem um domínio da Língua Portuguesa? Isso é um princípio completamente equivocado. A impressão que dá é de que quem fez a prova no nível médio pensa de um jeito e quem fez as provas no superior pensa de outro”, pondera.
Uma escolha equivocada
Segundo o professor, a organização da prova comete um equívoco ao privilegiar os conhecimentos específicos sobre os conhecimentos gerais, especialmente de Português e Matemática. Como exemplo, ele cita a estrutura de provas elaboradas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Fundação Carlos Chagas (FCC) ou mesmo o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que privilegiam uma base geral mais sólida em conhecimentos gerais e depois afunilam para os blocos de conhecimentos específicos.
“O Enem fez exatamente o contrário: há uma prova só de Linguagens, Códigos e Tecnologias, em que basicamente a Língua Portuguesa é tão importante que possui um bloco específico, só dela. Primeiro língua e linguagens, segundo, matemática, e aí sim entram os conhecimentos específicos”, diz Carlos André. Para o professor e advogado, a estrutura proposta para o CNU retira a importância basilar dessas disciplinas.
O professor Carlos André salienta que o Brasil segue tendo um mau desempenho no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), ficando abaixo da metade na lista entre os 81 países participantes. Apenas 2% dos alunos brasileiros de 15 e 16 anos tiraram nota 5 em leitura, contra a média mundial de 7% na avaliação. Portanto, na avaliação do educador, precisamos de mais português, e não de menos.
“O brasileiro não consegue compreender textos escritos na nossa língua. Se eu retiro a Língua Portuguesa do maior concurso da história do país, eu estou dando um sinal de desconhecimento absoluto da realidade da educação do Brasil”, critica Carlos André. “Na vida nós analisamos tudo por meio de exemplos. Se eu retiro a Língua Portuguesa de um concurso público, o recado que eu dou a um adolescente e a um professor é de que não há necessidade nem de estudar aquilo e nem de ensinar a Língua Portuguesa”, conclui.
Inclusão imediata
O professor tem se movimentado junto à Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO) e outras instituições para estabelecer, por meio do Congresso Nacional, a obrigatoriedade de questões de Língua Portuguesa em todos os concursos públicos. “Precisamos fazer essa inclusão imediata, nos próximos 15 dias, para que não prejudique os concursos. Para isso, pretendemos fazer uma mobilização por meio dos parlamentares de todo o país, um movimento para uma lei que garanta que todos os concursos públicos, todos, rigorosamente todos, tenham a disciplina de Língua Portuguesa”, planeja.
Segundo ele, esta é a melhor estratégia, pois trilhar um caminho jurídico pode ser prejudicial aos candidatos do CNU, o que ele desaprova. “Existe o interesse daqueles que já se inscreveram no concurso. Então todas as instituições que apoiam esse movimento precisam analisar com calma questões de natureza jurídica para que as providências sejam tomadas sempre de maneira a não prejudicar quem presta o concurso”, explica.
Carlos André afirma já ter feito contato com alguns parlamentares e faz um chamado. “Eu queria fazer um pedido a todos os políticos que entendam que quando nós falamos sobre Língua Portuguesa, nós não estamos falando em outra coisa senão naquilo que é a base da educação, que é o que tem o maior orçamento público do país. Os países que investiram em educação, se desenvolveram, basta olhar os países asiáticos”.
“Então, os políticos brasileiros têm a oportunidade de estar ao lado dos que se preocupam com a educação do Brasil. Um país que não investe na educação é um país que não tem nenhuma solução. Não adianta ficar fazendo discurso: [devemos] ser mais pragmáticos, precisamos dar resposta”, convoca.
O CNU oferece cerca de 6.500 vagas federais e já possui mais de 1,5 milhão de inscritos. A primeira fase da prova deve ser aplicada em 5 de maio, Dia Mundial da Língua Portuguesa.
FONTE:A REDAÇÃO