O jogador Neymar está sendo acusado por uma ex-funcionária de empregá-la ilegalmente por quase dois anos na França, no período em que ele atuava no Paris Saint-Germain. A mulher, que é brasileira, pede uma indenização de 368 mil euros (R$ 1,94 milhão).
Procurada pelo g1, a assessoria de Neymar informou que “oficialmente desconhece o assunto porque o Neymar não foi sequer citado”.
A denúncia foi divulgada na quarta-feira (15) pelo jornal Le Parisien. A ex-funcionária alega ter trabalhado, sem ser registrada, quase 70 horas semanais, sem direito a folga ou férias.
De acordo com o jornal francês, Neymar está sendo acusado de “travail dissimulé”, que, em uma tradução simples, significa “trabalho oculto”. O g1 conversou com uma advogada franco-brasileira para entender o que o termo representa na legislação do país europeu.
“O mais correto seria dizer ‘trabalho dissimulado’, que é o trabalho não declarado. É quando o empregador não respeita as formalidades legais impostas pela legislação trabalhista francesa, por exemplo não declarando a relação de emprego aos órgãos sociais, não emitindo folha de pagamento, etc”, explica Maria Isabel Garcia dos Santos-Nivault, sócia fundadora do escritório GV-Paris Avocats.
Ainda conforme a reportagem do Le Parisien, inicialmente, Neymar está sendo processado no âmbito trabalhista. O processo foi encaminhado para o tribunal do trabalho (“prud’homale”) de Saint-Germain-en-Laye.
No entanto, Maria Isabel Nivault explica que, além dos aspectos trabalhistas, o “trabalho dissimulado” é um crime previsto no Código Penal francês, com pena de 3 anos de prisão e 45 mil euros (R$ 237 mil) de multa. Segundo o jornal francês, a ex-funcionária ameaça levar o caso ao tribunal criminal.
“Na Justiça do Trabalho, se os fatos alegados pela empregada forem verdadeiros, Neymar pode vir a ser condenado a pagar os direitos trabalhistas que não foram respeitados, como férias, horas extras majoradas acima da jornada de 40 horas por semana, dia de repouso semanal obrigatório, previdência social, todas as cotizações que ele não recolheu…”, comenta a advogada.
A situação relatada pela ex-funcionária teria acontecido entre janeiro de 2021 e outubro de 2022. Ela diz que trabalhava sete dias por semana e recebia 15 euros por hora, em dinheiro.
De acordo com Nivault, na França, é obrigatório o registro de trabalho para empregada doméstica, assim como na legislação brasileira (leia mais abaixo).
“Existe uma convenção coletiva dos empregados domésticos. A relação de emprego deve ser declarada. Há um sistema on-line muito simples – CESU – de declaração mensal das horas trabalhadas, inclusive horas extras.”
Além disso, “os empregadores se beneficiam de um crédito fiscal de 50% do que pagam ao empregado (remuneração e cotização social) no limite de 6 mil euros por ano, que visa incentivar os empregadores a declararem seus empregados domésticos”, explica.
A ex-funcionária também foi definida na reportagem como “sans papier”, expressão que significa, segundo a advogada franco-brasileira, pessoa que não tem autorização legal para residir e trabalhar na França.
O emprego de pessoa em situação irregular é um delito passível de 5 anos de prisão e multa de 15 mil euros (R$ 79,9 mil).
A advogada explica que a funcionária também pode vir a responder por esse delito, mas que o fato de estar em situação ilegal na França não tira a obrigação do empregador de registrá-la formalmente como empregada doméstica e respeitar os direitos trabalhistas.
“A Justiça do Trabalho vai olhar exclusivamente o aspecto trabalhista. Se o empregador tiver que ser condenado, vai ser independentemente da situação administrativa do trabalhador”, diz.
De acordo com o jornal francês, antes de entrar com o processo, os advogados da mulher tentaram um acordo amigável com o jogador, mas não obtiveram nenhum retorno.
O que diz a lei no Brasil
No Brasil, o “conceito de ‘trabalho oculto’, no geral, é utilizado para designar atividades laborais desenvolvidas de maneira disfarçada, que ilegalmente deixam de ser remuneradas pelos empregadores”, explica o advogado trabalhista João Guilherme Walski de Almeida, do escritório Andersen Ballão Advocacia.
“Ele está, muitas vezes, associado ao trabalho dentro das residências, o que, muitas vezes, dificulta severamente a vigilância da comunidade, da sociedade e de instituições públicas voltadas para a defesa dos direitos humanos”, acrescenta Alexandre Fragoso, especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório Briganti Advogados.
Segundo Walski, não há, no Brasil, um dispositivo legal que trate objetivamente do “trabalho oculto”, mas suas características, como as horas extras não remuneradas, podem implicar na responsabilização do empregador na esfera trabalhista.
“Poderá ocorrer à condenação ao pagamento de todas as verbas devidas, incluindo as horas de trabalho que não foram pagas, bem como os danos morais sofridos pelo trabalhador ou trabalhadora”, afirma.
A legislação brasileira também determina que, para empregados domésticos, é “obrigatório o registro do contrato de trabalho na carteira de trabalho e previdência social, sob pena de poder ser condenado na justiça do trabalho a fazer o registro”, completa Fragoso.
Fonte: G1