IGNORADO AO TENTAR UM ACERTO DE CONTAS, EX-SÓCIO DE FLÁVIO BOLSONARO EM LOJA DE CHOCOLATES AMEAÇA CONTAR TUDO O QUE SABE SOBRE O SENADOR
“SE EU QUISER, EU PONHO O FLÁVIO NA CADEIA. COM O QUE EU TENHO NA MÃO, ELE VAI PRESO. SEI TUDO DA VIDA DELE”, DIZ
LISTA DE SEGREDOS É EXTENSA E INCLUI DESDE MESADAS PARA MANTER O SILÊNCIO DE FABRÍCIO QUEIROZ ATÉ INDÍCIOS DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA NO GOVERNO DE JAIR BOLSONARO
Alexandre Ferreira Dias Santini circula desenvolto por Brasília há pouco mais de três anos sem que ninguém — ou quase ninguém — o reconheça como protagonista de um dos escândalos mais ruidosos dos anos em que Jair Bolsonaro esteve no poder.
Bombado, com jeitão de playboy e super falante, ele se mudou da Barra da Tijuca para um flat à beira do Lago Paranoá depois da eclosão da trama que pôs o clã Bolsonaro em apuros.
Santini foi sócio do senador Flávio Bolsonaro, o filho 01 do ex-presidente, em uma loja de chocolates da Kopenhagen que, segundo o Ministério Público do Rio, foi aberta para lavar dinheiro.
Para os promotores que investigaram as chamadas “rachadinhas”, ele entrou na sociedade como uma espécie de laranja de luxo.
Não faz muito tempo, a amizade de quase duas décadas que fez Flávio escolher Santini como sócio na chocolateria virou pó. Desde o primeiro turno da campanha eleitoral do ano passado, os dois estão rompidos.
Nem um nem outro explica os motivos da briga. Pessoas próximas a ambos dão versões diferentes.
Umas dizem que o motivo é de ordem estritamente pessoal — íntima, até (Santini promoveu animadas festas privês que teriam deixado Flávio, seu convidado especial, em apuros). Outras sustentam que o rompimento se deu por diferenças irreconciliáveis na condução dos negócios conjuntos.
No primeiro semestre deste ano, Alexandre Santini mandou para Flávio alguns recados cifrados pelas redes sociais. “Não adianta tentar escapar, tudo é questão de tempo, pois provas não faltam para seus inúmeros ‘crimes na política’ que vão te levar para a PRISÃO”, chegou a escrever o ex-sócio em um dos posts, sem citar o senador nominalmente.
De lá para cá, muita coisa aconteceu e a crise entre os dois escalou. Hoje, Santini trava sua guerra particular contra Flávio Bolsonaro em duas frentes.
Em uma delas, ele mostra a cara, cobra do ex-sócio um valor milionário a título de “acerto de contas” e não diz abertamente tudo o que sabe. Em outra, longe de holofotes, se coloca como um homem-bomba, detentor de segredos que, assegura, podem explodir a carreira do primogênito de Jair Bolsonaro.
A parte mais visível da contenda ganhou forma nas últimas semanas, com uma notificação extrajudicial que os advogados de Santini enviaram para Flávio Bolsonaro.
No documento de três páginas, ao qual a coluna teve acesso, Santini afirma que ficou no prejuízo ao abrir com Flávio Bolsonaro a Bolsotini Chocolates e Café Ltda, razão social da loja de chocolates instalada no shopping Via Parque, na Barra da Tijuca.
Na peça, primeiro passo de um processo judicial de cobrança, ele dá os números e cutuca Flávio dizendo que, ao fazer os aportes iniciais para a abertura do negócio, o senador pagou sua parte em dinheiro vivo.
Santini diz que, do investimento inicial de R$ 1 milhão, pôs R$ 450 mil do próprio bolso, enquanto Flávio deu R$ 200 mil em espécie e a dentista Fernanda Bolsonaro, mulher do senador, aportou R$ 350 mil por meio de uma transferência bancária.
Também sustenta que, embora a sociedade fosse dividida meio a meio, Flávio sempre ficou com a maior parte dos lucros: R$ 1,7 milhão (dos quais R$ 700 mil foram retirados em dinheiro), contra R$ 644 mil.
O ex-sócio argumenta ainda que pagava contas da Bolsotini sem ser reembolsado e que, quando foi preciso vender a loja, depois de o estouro das rachadinhas inviabilizar o negócio, ficou só com R$ 529 mil, enquanto Flávio recebeu R$ 875 mil.
Por essas diferenças, o ex-sócio agora cobra do filho 01 de Jair Bolsonaro exatos R$ 1.473.344,46.
Depois de enviar a notificação extrajudicial, que Flávio não respondeu, Santini fez mais um movimento rumo à judicialização da cobrança. No último dia 1º de novembro, protocolou na Justiça de Brasília uma reclamação pré-processual com os mesmos argumentos e listando os mesmos números. Até agora, não houve resultado.
À luz do dia, mostrando a cara, o ex-sócio da loja de chocolates afirma que o que tem para cobrar de Flávio Bolsonaro é o que está detalhado na notificação extrajudicial e na reclamação pré-processual – e nega, com certa veemência, que tenha conhecimento de transações escusas do filho do ex-presidente da República.
“Nunca soube de onde vem o dinheiro em espécie. Meu negócio com o Flávio era apenas a loja. Nunca participei de nada do que ele participa, nem sei se ele participou”, disse em entrevista à coluna na semana passada (ouça abaixo os principais trechos).
A coluna teve acesso a uma série de elementos, incluindo documentos e registros de conversas de Santini com pessoas próximas, que mostram que, por trás da cobrança oficial, ele se move para pressionar Flávio a acertar o que deve, sob pena de revelar segredos capazes não apenas de abreviar a carreira política do filho 01 de Jair Bolsonaro, mas também de levá-lo para a prisão.
Sim, se de um lado, publicamente, o ex-sócio de Flávio diz que não sabe dos supostos malfeitos do senador, de outro, na calada do submundo de Brasília, ele fala sem freios do que sabe e do que tem em mãos graças aos anos de intimidade. “Se eu quiser, eu ponho o Flávio na cadeia. Com o que eu tenho na mão, ele vai preso. Sei tudo da vida dele”, afirmou dias atrás.
Em um sinal do quão pesado está o clima entre os dois, o próprio Flávio Bolsonaro, procurado, admitiu estar recebendo “recados”. “Ele tem mandado recados esquisitos para mim. Já me pediu dinheiro e eu não dei. Não quero dar linha para maluco. É um ex-sócio e ex-amigo”, disse o senador.
Os segredos que Alexandre Santini diz ter envolvem transações em dinheiro vivo que incluem aquisições milionárias de imóveis feitas por Flávio, pagamentos de despesas pessoais com recursos de origem suspeita supostamente obtidos graças à influência do senador no governo federal durante o período em que o pai foi presidente e bastidores de como ele, emparedado pelo escândalo das rachadinhas, administrou o silêncio do notório Fabrício Queiroz.
O ex-sócio de Flávio tem repetido que está disposto a relatar tudo às autoridades e conta que tem se aproximado de advogados ligados ao PT que estariam dispostos a auxiliá-lo na empreitada, garantindo a proteção necessária para que ele fale o que sabe.
Encontro tenso no Senado
O rompimento definitivo com Flávio se deu, diz Santini, pouco antes do primeiro turno das eleições presidenciais do ano passado. O ex-sócio afirma que procurou o senador em seu gabinete, no Congresso Nacional, e lá os dois tiveram um tête-à-tête reservado – e tenso, bastante tenso. Chegou para apresentar a cobrança e saiu com a certeza de que a amizade de outrora havia mesmo acabado.
“Eu falei: olha, Flávio, está aqui a planilha que você me deve. Sempre trazendo para o valor presente… Todo o valor, sem ser ajustado, aqui você me deve 1,7 milhão. Tá aqui, olha. Ele sabe que é isso. Ele olhou e falou: ‘Tá bom’. ‘Eu falei: Tá, quando você pode pagar?’ ‘Agora eu não posso.’ ‘Tá bom.’ ‘Quando você vai me pagar?’ ‘Pensando bem, eu não vou te pagar, porque eu não te devo nada. Se quiser, procura a Justiça e você vai perder porque eu tenho poder’”, conta. “Olha quem você é e olha quem eu sou… Você vai perder tempo e dinheiro. Você vai se f.”, teria dito Flávio, ainda de acordo com os relatos de seu ex-sócio.
Foi depois dessa conversa que Santini começou a considerar a possibilidade de falar. Não demorou para que ele fizesse o senador saber de sua disposição, na tentativa de fazê-lo acertar as contas.
Tão perto, tão longe
Curiosamente, entre os portadores dos recados para Flávio está a própria mulher do senador, cujo consultório odontológico, em um centro clínico do Plano Piloto de Brasília, tem sido visitado com frequência por Santini – ele diz que, apesar de ter rompido com o marido de Fernanda Bolsonaro, segue como paciente dela. “Vou lá de tempos em tempos porque tenho que trocar meu aparelho.”
O filho de Jair Bolsonaro, claro, passou a interpretar as mensagens como ameaça.
Ao falar à coluna, na semana passada, Santini negou peremptoriamente que a loja de chocolates da qual foi sócio com Flávio tenha servido para lavar dinheiro, como sustentaram os promotores do Rio na investigação das rachadinhas. Talvez seja um cuidado para evitar mais embaraços. Afinal, admitir, de viva voz, envolvimento em uma trama criminosa poderia lhe render problemas.
Em sua outra versão, porém, esse cuidado não existe.
Chocolate indigesto
Quando desfia em privado as histórias dos tempos em que esteve junto com o senador, ele fala sem reservas que o fluxo financeiro da loja realmente fugia dos padrões de um negócio normal.
Diz, por exemplo, que no primeiro ano já foi possível recuperar, na contabilidade oficial, todo o dinheiro investido no negócio, o que não é normal em se tratando de um estabelecimento que funcionava em um shopping que nem está entre os maiores do Rio.
O ex-sócio até brinca: se fosse assim, todo mundo estaria investindo em lojas da Kopenhagen.
Lobby com parceiros
Nas conversas reservadas, Santini tem mencionado, ainda, negócios escusos que outros amigos muito próximos de Flávio teriam feito em Brasília graças à relação com o senador. Esses negócios envolveriam a oferta de influência junto a órgãos federais durante o governo de Jair Bolsonaro.
Parceiros de Flávio que o conheciam de longa data do Rio chegaram a montar escritórios na capital com essa finalidade. Alguns deles, supostamente com recursos obtidos nessas transações escusas, teriam dividido os ganhos com Flávio de diversas formas – uma delas, pagando despesas do 01.
A mansão que Flávio comprou em 2021 no Lago Sul de Brasília pelo valor declarado de pouco menos de R$ 6 milhões, por exemplo, teria sido mobiliada e equipada com “presentes” pagos por esses amigos.
Entre os mimos estariam aparelhos de academia de primeira linha que foram comprados pela turma e entregues diretamente na mansão. Santini guarda consigo as cópias das notas fiscais. A coluna teve acesso a parte delas e, de fato, o nome do comprador registrado nos documentos é o de um advogado que, durante o governo passado, se apresentava em Brasília como uma espécie de atalho para quem quisesse se aproximar de Flávio Bolsonaro.
Relógios de luxo
Ainda na lista dos segredos guardados pelo ex-sócio há um capítulo que lança o senador para dentro da trama dos relógios e jóias de luxo recebidos pelo ex-clã presidencial durante o governo passado – assunto que levou Jair Bolsonaro a virar alvo de mais uma investigação no Supremo Tribunal Federal.
Ao listar o que tem sobre Flávio Bolsonaro, Santini tem exibido, a partir do rolo da câmara de seu celular, fotos de uma extensa coleção de relógios de luxo que, diz, o senador ganhou durante viagens oficiais e, também, de empresários interessados em tê-lo como amigo.
Sucesso imobiliário
Santini diz saber, ainda, como Flávio Bolsonaro virou um ás do ramo imobiliário a partir do período em que ocupou uma cadeira de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio.
Várias das transações do hoje senador da República, como a aquisição de apartamentos em bairros nobres da zona sul carioca e de um andar inteiro de um prédio de salas comerciais na Barra da Tijuca, chegaram a ser alvo da apuração do MP fluminense, sob suspeita de lavagem de dinheiro.
Os relatos do ex-sócio, se comprovados, podem dar força à linha de investigação iniciada pelos promotores, que acabou porque a Justiça arquivou a acusação formal apresentada em 2020.
O elo com Queiroz
A loja de chocolates não é o único elo entre Alexandre Santini e Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas.
Por um tempo, depois da eclosão do escândalo, o ex-sócio do filho 01 de Jair Bolsonaro funcionou como um ponto de contato com Fabrício Queiroz, o ex-policial militar que trabalhou como assessor dele na Alerj e foi acusado de ser o operador do esquema.
Queiroz e Santini se falavam com frequência. Alguns dos registros dessas conversas estão preservados até hoje.
É o caso de um lote de áudios nos quais Queiroz, dizendo estar em apuros financeiros (“estou pulando uma fogueira”), pede dinheiro ao ex-sócio de Flávio.
Em pelo menos uma das gravações, Queiroz se refere a Alexandre Santini como um dos aliados da família que, assim como ele, se mantiveram fiéis, mas acabaram escanteados, diferentemente de outros que se deram bem durante o governo Bolsonaro (“Não tem um da nossa época que não está bem”).
Queiroz afirma no áudio que, se Santini pudesse socorrê-lo, depois “nosso amigo”, referindo-se a Flávio, faria o acerto de contas.
A relação entre os dois é estreita. Santini e Fabrício Queiroz se conheceram quando o ex-policial era o principal homem de confiança de Flávio no gabinete na Alerj. Em uma evidência de que integravam, juntos, o círculo mais próximo do hoje senador, quando Jair Bolsonaro foi esfaqueado na campanha presidencial de 2018 em Juiz de Fora, foram os dois — Santini e Queiroz — que viajaram com Flávio, de carro, para a cidade mineira logo após receberem a notícia.
Indagado sobre sua relação com Queiroz, Santini elogia o ex-faz-tudo de seu ex-amigo. “Muito boa pessoa. Infelizmente, foi abandonado pela família. É um cara bacana”, afirma.
Amigo íntimo do clã
Paulista, Alexandre Santini mudou-se para o Rio ainda na juventude, enquanto cursava administração de empresas. De família rica – o pai trabalhava para a Odebrecht e a mãe é dona de um hospital -, já na capital fluminense ele abriu uma empresa de importação na qual tinha como sócio Carlos Alberto Parreira, ex-técnico da Seleção.
Foi nessa época que conheceu Flávio Bolsonaro. A amizade se estreitou de tal maneira que, em pouco tempo, ele se transformou em um dos melhores amigos do senador e criou laços com todo o clã, incluindo o próprio Jair Bolsonaro. Costumava participar de comemorações nas quais havia apenas integrantes da família.
Com Flávio, Santini dividiu festas de arromba — de balada na casa do jogador Neymar a réveillon em Angra dos Reis. Após mudar-se para Brasília, ele chegou a abrir uma empresa de tecnologia que não tinha nem sede física – o endereço declarado era um terreno baldio na Asa Sul.
A ideia, que surgiu de conversas com um lobista ligado a Frederick Wassef, era aproveitar a boa relação que tinha com a então primeira-família da República para ganhar dinheiro. Com capital social de R$ 105 mil, a Santitech Suporte em Tecnologia da Informação ficou aberta por dez meses.
Riquinho, namorador e homem-bomba
Hoje Santini se gaba de andar por Brasília incógnito, sem ser reconhecido como o homem que o Ministério Público acusou de ser laranja de Flávio Bolsonaro. Ele diz, orgulhoso, que sua fama na cidade é de “riquinho” e namorador.
Quando é indagado se acredita que ainda receberá o valor que cobra, o ex-sócio do 01 responde que sim e, com a mesma naturalidade, nega que esteja chantageando Flávio Bolsonaro ou que, por debaixo dos panos, esteja apresentando uma conta maior do que aquela de 1,4 milhão que admite publicamente.
“É o que ele me deve, e mais nada”, jura.
Parece pouco para o tamanho da guerra que está instalada.
Fonte: Metrópoles