Uma das maiores empresas de saneamento do mundo, Sabesp já tem capital misto com ações negociadas na Bolsa de Valores de SP e na de Nova York. Gestão estadual quer deixar controle em troca de aporte financeiro de novos acionistas. Críticos apontam risco de aumento da tarifa e desigualdade no acesso.
Promessa de campanha do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), a privatização da Sabesp, uma das maiores empresas de saneamento do mundo, ganhou novo destaque no noticiário após funcionários da estatal paralisarem os serviços em protesto contra a proposta.
Dentro do Executivo, a discussão avançou nas últimas semanas. Após concluir os estudos iniciais, o governo tenta angariar apoiadores e enviou o projeto de lei na terça-feira (17) à Assembleia Legislativa do estado, que precisa votar e aprovar.
O g1 explica, abaixo, o tamanho da companhia, o processo de privatização e em que pé está o projeto.
O que é a Sabesp?
Fundada em 1973, a Sabesp é responsável pelo fornecimento de água, coleta e tratamento de esgoto do estado de São Paulo.
É uma empresa de economia mista, ou seja, o controle é do estado, que tem 50,3% do seu capital social, mas outra parte é negociada em ações nas Bolsas de Valores de São Paulo e Nova York. Sua oferta inicial pública de ações (IPO, na sigla em inglês) foi feita em 2002.
Ela é considerada uma das maiores companhias de saneamento do mundo e atende 375 municípios paulistas, onde vivem 28,4 milhões de pessoas.
Já foi finalista de premiações, como o “Global Water Awards”, e é reconhecida internacionalmente pela contribuição significativa para o desenvolvimento internacional do setor de água.
Também presta serviços de água e esgoto em parceria com empresas privadas para outros quatro municípios paulistas: Mogi-Mirim, Castilho, Andradina e Mairinque.
É composta por mais de 12 mil funcionários e tem valor de mercado estimado em R$ 39 bilhões. No ano passado, anunciou lucro de R$ 3,12 bilhões, 35% superior aos R$ 2,3 bilhões de 2021.
Qual é a promessa de Tarcísio?
A privatização da empresa já foi tratada de diferentes formas por Tarcísio de Freitas. Durante a campanha eleitoral, ele defendeu o estudo da proposta, mas, horas após ser eleito, mudou de tom e passou a afirmar que ela seria “a grande privatização do estado”.
O modelo proposto pelo governo paulista prevê investimentos de R$ 66 bilhões até 2029, o que representa R$ 10 bilhões a mais em relação ao atual plano de investimentos da Sabesp, e uma antecipação da universalização do saneamento, de 2033 para 2029.
Os investimentos incluem, além da universalização dos serviços, obras de dessalinização de água, aportes na despoluição dos rios Tietê e Pinheiros, e ainda intervenções de prevenção em mudanças climáticas.
O estado se tornará acionista minoritário, com fatia ainda a ser definida. Também não fica claro de que forma o governo conseguirá garantir a ampliação do acesso ao saneamento, tampouco como fará para impedir que a tarifa aumente.
Como deve ser o processo de privatização?
Segundo o governo paulista, a companhia deve ser privatizada via follow on, que consiste em uma nova oferta de ações na Bolsa de Valores e reduz a participação total do governo na empresa.
A ideia central é que o governo de São Paulo deixe de ser o acionista controlador da empresa, em troca de aporte financeiro de novos acionistas.
O papel da Câmara de SP
A capital paulista é responsável por 55% do faturamento da Sabesp. A proposta de privatização da empresa também precisa, obrigatoriamente, passar pelo Legislativo paulistano.
Pela lei de 2009, que autorizou o Executivo a celebrar o contrato com a Sabesp, qualquer mudança no controle acionário da empresa faz com que a Prefeitura de São Paulo volte a assumir o serviço de água e esgoto na cidade.
Em meados de agosto, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) assinou um documento para tentar afrouxar o controle municipal da companhia e facilitar a privatização da empresa. O g1 entrou em contato com a prefeitura, mas não obteve resposta.
A medida foi um aceno de Nunes, que busca o apoio de Tarcísio para se reeleger prefeito da capital no ano que vem. Embora facilite a privatização, a estratégia de Nunes não a libera. A Câmara ainda terá de aprovar uma nova lei sobre o assunto.
Preocupações do TCM
Além da Câmara Municipal, a privatização da Sabesp vai ser analisada pelo Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP), no que diz respeito às renúncias que serão feitas pela capital paulista e a questão de legislação da cidade, que é o principal cliente da empresa.
Sem a capital, dificilmente a Sabesp despertaria interesse na iniciativa privada, dizem os especialistas.
Os conselheiros do TCM apresentaram ao governo Tarcísio cinco preocupações com o processo de privatização da companhia:
preservação da tarifa social;
diminuição da tarifa ou, pelo menos, que ela não aumente;
manutenção dos 13% de destinação de investimento para a capital paulista;
obrigatoriedade da universalização dos serviços de água e esgoto até 2029;
manutenção dos 7,5% dos recursos para o Fundo Municipal de Saneamento.
Datafolha
Além da resistência de parlamentares da Câmara Municipal de SP e do Tribunal de Contas do Municípios (TCM) – que já investiga a situação da cidade de São Paulo numa eventual privatização – o plano do governo paulista ainda não encontra respaldo entre a maioria dos paulistas.
Levantamento do Instituto Datafolha divulgado em abril mostra que 53% dos entrevistados dizem ser contra a transferência da empresa para a iniciativa privada.
Outros 40% se declaram a favor, 1% se diz indiferente e 6% não sabem. A pesquisa foi feita entre os dias 3 e 5 de abril, em 65 municípios de todas as regiões do estado de São Paulo.
Segundo o Datafolha, foram realizadas 1.806 entrevistas presenciais, com pessoas acima de 16 anos. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.
Estudo sobre redução da tarifa
Uma das preocupações principais da privatização da Sabesp é com o valor da conta de água e com o cumprimento das metas de universalização do saneamento, levando água e esgoto tratado para milhares de comunidades do estado que ainda não tem esse serviço.
Ao contratar a consultoria International Finance Corporation (IFC) para realizar o estudo preparatório para a privatização da Sabesp, o governo gastou R$ 45,6 milhões e ouviu da empresa que, sem ajuda estatal – o chamado subsídio – não haverá queda no valor da conta de água no estado.
O estudo apontou que “a redução tarifária se dará a partir do uso de parte dos recursos gerados pela venda das ações do governo do estado de São Paulo, de modo que não haja impacto no valor da empresa e em seus acionistas”.
“Por mais que a gestão privada seja eficiente com os investimentos e custos operacionais a serem realizados, isso somente não garantiria uma redução das atuais tarifas da Sabesp”, disse o relatório da IFC ao qual o g1 teve acesso.
“A modelagem proposta para o projeto envolve a (…) redução tarifária a partir do uso de parte dos recursos gerados pela venda das ações do GESP [Governo do Estado de São Paulo], de modo que não haja impacto no valor da empresa e em seus acionistas”, diz o documento.
O relatório do IFC, datado de junho deste ano, não fala em quanto será necessário tirar do caixa do estado para manter a tarifa baixa.
O estudo também indica que, com a venda do controle da Sabesp, é possível separar R$ 10 bilhões para levar saneamento a áreas rurais e favelas que atualmente não contam com saneamento básico.
Com isso, o governo paulista adiantaria em quatro anos a meta de fornecer água e esgoto tratado a quase toda a população das 375 cidades onde a Sabesp atua hoje, passando de 2033 para 2029 o cumprimento da meta de universalização.
Fonte: G1