Os partidos que não atingem o patamar de 80% do quociente eleitoral também podem participar da última fase da distribuição das sobras eleitorais, de acordo com o entendimento estabelecido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal nesta quarta-feira (28/2).
A corte julgou ações que questionavam dispositivos do artigo 109 do Código Eleitoral (Lei 4.737/1965), alterado pela Lei 14.211/2021, e a Resolução 23.677/2021, editada pelo Tribunal Superior Eleitoral. As alterações excluíram da última fase da divisão das sobras os partidos que não atingissem o patamar de 80%, o que o Supremo entendeu ser inconstitucional.
Prevaleceu o voto do ministro Ricardo Lewandowski (aposentado), relator do caso. Para ele, excluir partidos da última fase da divisão das sobras diminui a pluralidade política e pode levar à extinção de legendas menores.
Seguiram Lewandowski os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Kassio Nunes Marques, Flávio Dino, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. A decisão vale para eleições futuras. Votaram nesse sentido, além do relator, os ministros Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux, André Mendonça e Luís Roberto Barroso.
Os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Flávio Dino, Dias Toffoli e Nunes Marques votaram para que a medida valesse também para as eleições de 2022, o que alteraria a atual composição da Câmara dos Deputados. Eles ficaram vencidos.
Sistema proporcional
No sistema proporcional, que vale para os cargos de deputados federal, estadual e distrital e vereador, primeiramente são computados os votos do partido ou federação ao qual o candidato está coligado, e, em uma segunda etapa, os votos de cada candidato.
Ao computar os votos, a Justiça Eleitoral verifica quais foram os partidos vitoriosos e, dentro dessas agremiações, quem conseguiu um número mínimo de votos. Para isso, são feitos os cálculos do quociente eleitoral e do quociente partidário.
O quociente eleitoral estabelece o número de votos que um partido ou federação precisa receber para eleger pelo menos um deputado. O cálculo é feito assim: o total de votos válidos é dividido pelo número de vagas em disputa.
Se, por exemplo, houve um milhão de votos para dez vagas, o quociente é de cem mil votos. Os partidos precisam obter esse mínimo para eleger um deputado.
Já no quociente partidário, o número de votos do partido é dividido pelo quociente eleitoral. Em um cenário em que o quociente eleitoral é de cem mil votos e um partido consegue 630 mil, ele vai eleger seis deputados. Só é considerada a parte inteira da divisão.
Na primeira fase da partilha das cadeiras, o número que representa o espaço de cada partido nem sempre é inteiro, o que gera as chamadas sobras.
Em um primeiro momento, essas sobras são divididas entre os partidos que obtiveram ao menos 80% do quociente eleitoral e em que há candidatos com votação igual ou superior a 20% do quociente eleitoral.
Em alguns casos, essa etapa não é suficiente para distribuir todas as cadeiras restantes. Então são distribuídas as chamadas “sobras das sobras”, etapa da qual só podiam participar os partidos que atingiram 80% ou mais do quociente eleitoral, sendo eliminado, no entanto, o critério de 20% para os candidatos.
Ou seja, na última etapa participavam só partidos com 80% do quociente eleitoral. Com a decisão desta quarta, não é mais preciso atingir esse patamar para que os partidos participem da divisão das sobras.
Os votos
Para Lewandowski, todos os partidos devem participar da última fase da divisão das sobras, caso contrário haverá o risco de deixar fora candidatos que receberam mais votos e o de diminuir a pluralidade política.
“Toda e qualquer norma que tenha por escopo restringir a pluralidade dos partidos políticos, limitando a eleição de seus representantes, notadamente no sistema proporcional, viola os fundamentos de nosso Estado democrático de Direito”, considerou o ministro atualmente aposentado.
Ainda segundo o voto do relator, a divisão tal como estava definida poderia beneficiar candidatos com votação consideravelmente menor do que seus adversários.
Por exemplo, um candidato com muitos votos, que atingisse a marca de 20% do quociente eleitoral, mas cujo partido não alcançasse 80% desse quociente, ficaria sem a vaga. E a cadeira poderia ficar com alguém que teve muitos votos a menos, mas de um partido que tivesse atingido a marca de 80%.
“Considero ser inaceitável que o STF chancele interpretação da norma que permita tamanho desprezo ao voto, mormente em favor de candidato com baixíssima representatividade e, conforme os critérios empregados na segunda fase, pertença a agremiação já favorecida pela atual forma de cálculo”, sustentou Lewandowski.
Para Alexandre de Moraes, é inconstitucional a regra que exclui da distribuição das sobras eleitorais os partidos políticos que não alcançaram o patamar de 80% do quociente eleitoral. Essa exclusão, afirma ele, viola os princípios da razoabilidade, da soberania popular, do pluralismo político e da democracia representativa, bem como o sistema proporcional nas eleições.
“Aqui nós temos uma discussão muito importante, porque dependendo dessa discussão, a dificuldade do crescimento de novos partidos e da pluralidade democrática vai aumentar. O que se criou foi uma sucessiva cláusula de desempenho. Um favorecimento aos grandes partidos”, disse o ministro.
“Na hora que vem a sobra, o candidato que recebeu 150 mil votos, mas o partido tem 75% do quociente eleitoral, observará que as sobras são divididas entre os grandes partidos de novo. E aquele que teve 30 mil votos vai prevalecer sobre o candidato que teve 150 mil”, prosseguiu ele.
Para Alexandre e Gilmar Mendes, o adiamento dos efeitos da decisão perpetuaria a regra considerada inconstitucional e impediria que uma quantidade significativa de votos válidos fosse aproveitada na composição da legislatura atual do Congresso.
Divergência
O ministro André Mendonça divergiu do relator. Ele disse não ver critério obstativo, arbitrário ou irrazoável nas normas impugnadas. Votaram contra as alterações nas regras de divisão das sobras, além de Mendonça, os ministros Edson Fachin, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso.
“Não ofende a Constituição Federal, sobretudo os princípios do pluralismo político, da pluralidade de partidos e do sistema proporcional, disposição normativa que exclua de fase de distribuição de cadeiras da Câmara dos Deputados agremiação que não logrou obter o número de votos fixado em lei”, disse Mendonça.
Para Fachin, a corte deve respeitar a deliberação do Legislativo sobre o tema. Ele também disse não ver violação ao pluralismo político. “Entendo deva ser respeitada compreensão manifestada pelas duas casas do Congresso Nacional a respeito da interpretação a ser dada à regra que se discute.”
ADI 7.228
ADI 7.263
ADI 7.325
- Tiago Angelo é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Fonte: Conjur