Plataformas digitais tem sido usadas para comercializar produtos agrários ilegais. O Jornal Opção acompanhou o comércio ilegal
Agrotóxicos apreendidos durante operação | Foto: divulgação/PM
Vantajoso e tão lucrativo quanto algumas modalidades do tráfico de drogas, o contrabando e a falsificação de defensivos agrícolas tem ganhado força em todo país, inclusive, em Goiás. O estado, devido a força econômica do agronegócio e a localização geográfica, tem sido usado como ponto de escoamento e comercialização não só de drogas como também de agrotóxicos ilegais.
Apenas em 2024 (em pouco mais de quatro meses), conforme levantamento do Jornal Opção com base em ocorrências da Polícia Militar (PM), Polícia Civil (PC) e Polícia Rodoviária Federal (PRF), foram apreendidas cerca de 72 toneladas de defensivos agrícolas contrabandeados, falsificados ou furtados de propriedades rurais, avaliados em mais de R$ 25 milhões. O dado representa uma média de 21 kg por hora.
A maior apreensão da história do território goiano ocorreu no início de abril, em Caldas Novas. A Polícia Militar (PM), com o auxílio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) retirou de circulação 37 toneladas destes produtos líquidos e pastosos. Nesta terça-feira, 21, a corporação realizou uma nova apreensão de 1,5 toneladas de insumos agrícolas contrabandeados do Paraguai, que tinham como destino Doverlândia.
Migração para internet
Responsável por movimentar mais de R$ 15 bilhões por ano no país, o mercado de agrotóxicos ilegais também tem atuado fortemente nas plataformas digitais, como Facebook, WhatsApp e Telegram. Por duas semanas, o Jornal Opção observou grupos voltados ao contrabando e à falsificação e, se passando por um “atravessador”, negociou com criminosos de diferentes regiões do Brasil.
Donas de uma lábia convincente, os contrabandistas oferecem ofertas tentadoras de produtos falsificados com valores 80% menores do que os originais. Um dos criminosos do Paraná, com quem a reportagem negociou defensivos como fipromil, acefato, clorotalonil, mancozebe, atrazina e clorpirifós, chegou a fazer uma carga de 1,3 mil litros e 750 kg dos produtos citados por R$ 125 mil.
O inseticida fipromil, por exemplo, foi vendido por R$ 48 o litro. Entretanto, o mesmo produto pode chegar a custar R$ 279,89, conforme levantado pela reportagem. Ou seja, um valor 83% maior do que o comercializado de forma ilegal.
“O frete é por nossa conta, vai pela transportadora. Mandados uma nota [falsificada], dá problema não. O senhor paga um pouco de entrada, aí chegando ai mais um pouco. Parcelo em até 6 vezes”, afirmou o falsificador.
Ao ser questionado sobre a qualidade dos defensivos, o criminoso garante que “são de qualidade” e que a carga chegaria ao repórter, em Senador Canedo, entre sete e 10 dias após o fechamento da compra. Para concluir a venda, o contrabandista diz que é possível acompanhar o transporte por meio do rastreamento.
“Garanto que são de qualidade, que funcionam. Passo os dados, tudo para o senhor, o rastreamento, você não ver ter prejuízo de nada”, reforçou.
Facções visam contrabando
Os defensivos, conforme o tenente Felipe Soneghet do Comando de Operações de Divisas (COD) da PM, são produzidos na China e no Paraguai, mas entram em Goiás por meio das fronteiras de Foz do Iguaçu, no Paraná, e Ponta Porã, Mato Grosso do Sul. O transporte dos produtos, normalmente, é realizado por via terrestre devido a quantidade comercializada.
O militar diz que o lucro e a facilidade de conseguir esse tipo de produto, visto que ele não é ilegal em determinados países, tem atraído organizações criminosas e facções que começaram a investir na modalidade. Ou seja, além do tráfico de drogas, o crime organizado também tem se estabelecido no contrabando.
“Goiás, além de ser um pecuarista e agrário, acaba sendo usado como ponto de passagem para regiões de Tocantins, Bahia, Minas Gerais e outros estados. O contrabandista, ao invés de ir lá fora para comprar maconha, ele pega agrotóxico e tenta entrar no Brasil. Como o crime organizado visa o lucro, eles viram uma oportunidade no contrabando. Grandes organizações criminosas estão migrando para esse tipo de crime”, explicou.
O estado, conhecido como a terra do agro pelo poderio econômico com a modalidade, é um dos principais destinos de agrotóxicos do país, de acordo com o inspetor da PRF Newton Morais. O policial rodoviário federal conta que as principais rodovias usadas pelos criminosos que passam pelo estado são a BR-153 e a BR-060, que ligam Goiás à outros estados.
O inspetor reforça que é mais fácil transportar uma carga de defensivos agrícolas do que de drogas, por exemplo, visto que é possível apresentar notas fiscais falsas, como mostrado pela reportagem. Entretanto, as forças de segurança pública possuem técnicas para identificar as fraudes.
“A localização de Goiás possibilita armazenar e depois distribuir essas cargas. É mais fácil trazer, armazenar e depois redistribuir daqui para outros estados. O contrabando de defensivos agrícolas é interessado aos produtores rurais e isso provoca prejuízo ao estado, que deixa de arrecadar e empregar. Porém, o trabalho integrado entre as forças de segurança tem dado resultado”, concluiu.
O combate ao contrabando é realizado não só pela PM e PRF, mas também pela Polícia Federal (PF) e Polícia Civil (PC). A Receita Federal, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e órgãos públicos estaduais também atuam na fiscalização contra a modalidade criminosa, cuja pena pode chegar a seis anos.
FONTE: JORNAL OPÇÃO