05 de Julho de 2023
Usina é alvo de preocupações internacionais desde que guerra da Ucrânia eclodiu há 17 meses
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, afirmou em seu pronunciamento diário de terça-feira que a Rússia pode ter planos de explodir partes do complexo nuclear de Zaporíjia, na região ucraniana homônima, e Kiev assegura que há procedimentos em curso para lidar com uma emergência. Os russos, por sua vez, alertam para as “consequências catastróficas” de um possível “ato subversivo” de Kiev na usina, sob controle do Kremlin desde os dias iniciais da guerra que eclodiu em fevereiro do ano passado. A troca de acusações acirra as já altas preocupações sobre a segurança da central atômica, a maior da Europa.
Qual é a tensão mais recente?
Há semanas circulam relatos do agravamento da situação em Zaporíjia, que nos últimos meses viu em seus arredores uma série de batalhas, disparos de foguetes e artilharias. Em ao menos uma ocasião, projéteis atingiram uma área onde é armazenado combustível atômico já utilizado, mas não houve dano aos reatores.
Em seu pronunciamento de terça, contudo, Zelensky disse que “os militares russos puseram objetos que parecem explosivos no telhado de várias unidades” da usina, citando informações de sua inteligência.
— Talvez para simular um ataque à usina. Talvez tenham algum outro cenário — afirmou o presidente ucraniano. — O mundo vê (…) que a única fonte de perigo para a planta nuclear de Zaporíjia é a Rússia e mais ninguém.
De acordo com Zelensky, Moscou estaria suficientemente empoderada para realizar um ataque desta magnitude porque não houve uma resposta internacional “célere e de ampla escala” do Ocidente à destruição da barragem de Kakhovka e da hidrelétrica adjacente no mês passado. A autoria do incidente, em uma área sob controle de Moscou mas perto da linha de frente, não está clara, mas ambos lados trocam acusações pela destruição da barragem, a segunda maior das seis no rio Dniéper.
— Isso pode incitar o Kremlin a realizar novos atos malignos — disse Zelensky, que falou das “provocações perigosas” durante uma conversa por telefone com Macron na terça. — É a responsabilidade de todos no mundo interromperem isso, ninguém pode ficar de lado, já que isso afeta a todos.
Diante dos temores, o Ministério da Saúde ucraniano afirma ter notificado quem vive na região para ter remédios e equipamentos de primeiros socorros às mãos, além de itens pessoais, em preparativo para uma “possível evacuação” a qualquer momento.
De acordo com o Ministério da Defesa, “objetos similares a artefatos explosivos” foram postos nas lajes dos reatores 3 e 4″ e suas detonações deveriam “dar a impressão de que eram bombardeios ucranianos”. Recentemente, o chefe de inteligência militar, Kyrylo Budanov, havia dito que Moscou tinha “desenhado e aprovado” um plano para sabotar a usina.
O que diz a Rússia?
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou nesta quarta que há risco de um possível “ato subversivo” de Kiev com “consequências catastróficas”. Segundo ele, “a situação é muito tensa ” e o risco de um “ato subversivo por parte do regime de Kiev é muito elevado”, mas não deu mais detalhes ou evidências para tal afirmação.
— A situação é muito tensa, porque o risco sabotagem, que poderia ter consequências catastróficas, é muito real — disse ele em seu pronunciamento diário à imprensa. — Então, evidentemente, todas as medidas estão sendo tomadas para conter tal ameaça — completou, acusando Kiev de ter demonstrado em “múltiplas ocasiões” sua “disposição a tudo”.
Moscou anexou unilateralmente a região de Zaporíjia em setembro do ano passado, junto com o território vizinho de Kherson e as regiões de Donetsk e Luhansk, no leste — todas elas palcos de batalhas ativas. Autoridades pró-Moscou realizaram referendos não reconhecidos pela comunidade internacional para justificar as anexações, condenadas na Assembleia Geral da ONU.
O que é Zaporíjia?
A usina nuclear de Zaporíjia, com seis reatores, é o maior complexo nuclear da Europa e um dos dez maiores do mundo. Ela foi construída pela União Soviética perto da cidade de Enerhodar, às margens da reserva de Kakhovka, responsável por alimentar o lago que resfria seus seis reatores — ao todo, há 15 em toda a Ucrânia.
Segundo a estatal energética ucraniana, Energoaton, o nível de água no lago permanece estável, apesar de sua reserva ter se esvaziado quando a barragem homônima foi destruída. Cinco dos reatores estão parados, o que também ajuda a reduzir bastante a quantidade de água necessária para mantê-los na temperatura adequada. Também circulam entre grupos de Telegram ucranianos acusações não comprovadas de que os russos teriam posto minas explosivas neste lago.
Durante boa parte da guerra, Zaporíjia teve — e tem — apenas um cabo de alta voltagem que a abastece com eletricidade, fundamental para garantir sua segurança. A ligação, contudo, tem sido frequentemente comprometida durante o conflito: houve ao menos sete apagões, forçando as pessoas a recorrerem a geradores movidos a diesel, por exemplo.
Com os russos no controle desde março de 2022, há relatos de que funcionários foram obrigados a romper seus contratos com a Energoatom e firmar novos termos com a Rosatom, a estatal atômica russa. De acordo com a AIEA, a equipe de 11 mil pessoas que operava a usina antes da guerra foi reduzida a uma fração de seu tamanho original, e vários dos funcionários que permanecem por lá estão vetados de irem à planta porque se recusam a firmar contratos com a Rosatom.
Há risco de desastre de grande magnitude?
De acordo com Rafael Grossi, presidente da AIEA, é a primeira vez que uma usina nuclear se vê esta é a primeira vez na História que uma planta nuclear se vê no meio de um confronto ativo. O fato de a Ucrânia, à época uma república soviética, ter sido palco do desastre de Chernobyl, em 1986, a maior catástrofe atômica da História, também gera preocupações.
Os reatores de Zaporíjia, contudo, são diferentes do de Chernobyl — os cinco primeiros entraram em atividade entre 1985 e 1989 e o sexto, em 1995 —, que tinha um moderador nuclear de grafite e um prédio com concreto menos reforçado e sem outras salvaguardas de segurança. O fato de Zaporíjia estar praticamente parada há meses também é outro fator mitigante.
Ainda assim, os riscos são imensos, e faz apenas duas semanas que Grossi disse em uma visita ao complexo que a situação era “grave”. A AIEA tenta há meses criar um perímetro de segurança ao redor da instalação, mas o máximo que conseguiu até o momento, além de algumas visitas ao complexo, foi que haja representantes da organização fixos na usina para avaliar a situação.
O que a AIEA diz sobre a situação mais recente?
Grossi, que está no Japão após a AIEA dar o aval para o país asiático despejar no mar a água tratada da usina de Fukushima, emitiu um comunicado afirmando que os inspetores da organização não encontraram indícios de minas ou explosivos. Pediu, entretanto, acesso adicional a partes da usina para maiores confirmações.
“Com a tensão militar e atividades crescentes na região onde esta grande usina nuclear está localizada, nossos especialistas devem poder verificar os fatos em solo”, afirmou ele.
Há meses, contudo, repete que há chances reais de desastre, e nas últimas semanas disse que a situação na região é “extremamente frágil”. Na semana passada, fontes do governo americano afirmaram ao New York Times que não acreditam haver uma ameaça iminente, mas ressaltaram que acompanham a situação “muito, muito de perto”.
Por que há trocas de acusações?
Segundo o Instituto para o Estudo da Guerra, um centro de pesquisa baseado em Washington, a retórica acirrada pode pavimentar caminho para um ataque que os russos tentarão pôr na conta ucraniana. Afirmou também, entretanto, que as “declarações provocativas” provavelmente fazem parte de uma “operação informativa para acusar os ucranianos de irresponsabilidade” e distrair os inimigos em sua contraofensiva.
“Continua improvável que a Rússia provoque um incidente radiológico em Zaporíjia neste momento”, disse em um relatório, afirmando que os reatores “foram construídos para suportar danos significativos”.
A operação não teve avanços maciços, mas conseguiu até o momento recuperar algumas parcelas de território no sul da região de Zaporíjia, além de áreas ao redor de Bakhmut, na região de Donetsk, retomando áreas tomadas pelo grupo paramilitar Wagner em maio. Os mercenários comandados por Yevgeny Prigozhin fizeram uma breve rebelião contra o Kremlin no mês passado, suspensa cerca de 24 horas depois.
Os ucranianos encontram significativa resistência russa, principalmente no sul, mas na terça o secretário do Conselho de Defesa e Segurança Nacional, Oleksiy Danilov, disse que os últimos dias foram “particularmente frutíferos” para Kiev, sem dar maiores detalhes. O Exército, contudo, afirmou ter atacado unidades russas em Makiivka, cidade em Donetsk controlada por Moscou.
Fonte: Mais Goiás