Segundo acadêmicos, docentes e coordenadores de escolas, o caminho ideal é o híbrido. Governo de São Paulo anunciou, nesta semana, que adotará apenas livros didáticos digitais no ensino fundamental II.
04/08/2023
Não há experiência internacional, estudo ou entidade que apoie a decisão de eliminar os livros da sala de aula e oferecer apenas conteúdo informatizado. A recente decisão do governo de São Paulo de fornecer aos alunos do ensino fundamental II e do ensino médio apenas material didático digital, desenvolvido por seus próprios técnicos estaduais, é amplamente criticada por acadêmicos e entidades, que acompanham o tema com preocupação.
É unânime a posição de especialistas que o desafio de formar as futuras gerações exige a adoção de um esquema híbrido, que integre as vantagens do analógico e do digital. E essa mistura precisa ser gradual, acompanhada de adaptações na infraestrutura das escolas, na formação docente e nas propostas pedagógicas.
A razão para a crítica contundente à decisão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) passa por justificativas como o exemplo da Suécia (que adotou a digitalização completa e agora decidiu recuar), pelo mais recente relatório da Unesco (que sugere banir os celulares da sala de aula) e chega ao rescaldo recente da pandemia, quando a falta de estrutura tecnológica das escolas e dos lares das famílias ficou evidente.
O diretor executivo da ONG Todos Pela Educação, Olavo Nogueira Filho, afirma que dados e evidências sugerem muita cautela na adoção do digital.
“Nenhum país fez substituição integral de impressos por digitais. A ideia é que haja uma coexistência. A Suécia, que buscou a digitalização completa, está [voltando atrás] e repensando essa postura”, diz Nogueira.
Paulo Blikstein, especialista no uso da tecnologia para a aprendizagem e diretor do Transformative Learning Technologies Lab, na Universidade de Columbia (EUA), explica ainda que não é uma questão de “vilanizar” a tecnologia.
“Não queremos descartar o digital, mas não é possível impor esse sistema rapidamente. Precisa haver um processo de adequação à realidade.”
Entenda abaixo como os seguintes aspectos devem ser levados em conta quando uma rede (ou colégio) adota o material informatizado:
- O ensino remoto na pandemia de Covid-19 escancarou a desigualdade entre alunos da rede pública e da rede privada no acesso à internet.
- Um exemplo: das escolas municipais brasileiras de ensino fundamental, 38% dispõem de computador de mesa, 23,8% contam com computadores portáteis, 52% têm internet banda larga e 23,8% oferecem internet para uso dos estudantes, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de 2022.
- Segundo a Unesco, 1 em cada 4 escolas de anos iniciais do ensino fundamental do mundo não tem eletricidade.
“O mais grave de adotar o ensino 100% digital é que isso coloca o aluno que é mais vulnerável, que está em situação de risco, que não tem uma boa conexão de internet, em uma situação ainda mais difícil, sem livros, apenas com essas opções digitais que ainda não foram testadas. É um sistema que pode precarizar o ensino justamente para quem mais precisa de educação“, diz Blikstein, da Universidade de Columbia.
E não basta oferecer tablets e notebooks para os alunos usarem no colégio. É preciso garantir que a rede de Wi-Fi suporte o acesso simultâneo de centenas de alunos, por exemplo, e que eles tenham condição de fazer atividades on-line em casa.
“Ao usar o computador, cai a internet, o livro digital pode não estar disponível… são problemas que ocorreram durante a pandemia”, diz Neide Noffs, professora do Departamento de Formação Docente, Gestão e Tecnologias da PUC-SP.
Computador quebrou? Alguém precisará consertá-lo
Na Móbile, escola privada de São Paulo, o processo de alfabetização é, em parte, digital, com atividades em tablets de até 10 minutos por dia.
A diretora da educação infantil, Maria de Remédios Cardoso, conta que, por causa disso, passou a ser necessário ter um departamento de tecnologia educacional “dentro da escola, o tempo todo”.
“Precisa de uma equipe a postos para garantir que a internet esteja funcionando, que o sistema operacional seja mais eficiente e que os dados dos alunos estejam preservados. Computadores podem quebrar, não tem jeito. É necessário fazer esse investimento”, relata.
O Colégio Anchieta, da Rede Jesuíta de Educação de Porto Alegre, por exemplo, enfrentou outro desafio ao adotar os livros digitais (os físicos continuam como opção para os alunos que os preferirem): investir em um acesso seguro à rede de internet. “Tem de haver login com senha, para que haja integridade e privacidade dos dados dos alunos”, afirma o coordenador Cleiton Gretzler.
💻Uso excessivo de telas
Por orientação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o contato com telas não pode ultrapassar os seguintes limites, a cada faixa etária:
- dos 2 aos 5 anos: até 1 hora por dia;
- dos 6 aos 10 anos: entre 1 e 2 horas por dia;
- dos 11 aos 18 anos: entre 2 e 3 horas por dia.
Especialistas ouvidos pelo g1 demonstraram preocupação com o uso de livros digitais, porque, associados ao tempo de lazer que as crianças já dedicam a tablets, podem gerar uma superexposição à tecnologia.
A Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, já mostrou que esse excesso leva a:
- prejuízos na comunicação,
- problemas no sono e
- atrasos no desenvolvimento cognitivo.
Por evidências como essas, Neide Noffs, da PUC-SP, defende que os livros físicos estejam sempre presentes. “Eles fazem com que o aluno vá até a biblioteca, leia uma revista, entre em contato com diferentes dispositivos de leitura. São experiências que vão além de só ‘ler'”, afirma.
Fonte: G1