Cultura

Por que comemoramos o aniversário de Goiânia no dia 24 de outubro?

O 24 de outubro talvez seja mais coerente com a trajetória da cidade. É uma data relacionada à utopia da Revolução de 1930 e próxima a data natalícia de Pedro Ludovico

Graças ao Batismo Cultural que foram construídos marcos materiais importantes para a nova capital, como o Teatro Goiânia, a Revista Oeste, o Monumento do Bandeirante e a utilização dos flamboyants para arborizar as ruas da cidade.

A pergunta que serve como título desse artigo pode ser respondida com uma aparente simplicidade: simplesmente por Goiânia ter sido fundada no dia 24 de outubro de 1933. Contudo, nada é simples quando se trata dos acontecimentos históricos, principalmente um acontecimento complexo, como o surgimento de uma cidade planejada. Na verdade, o dia 24 de outubro é apenas uma data possível, dentre outras efemérides igualmente importantes, para a comemoração do aniversário da cidade, que este mês completa 90 anos de existência.

Como é de conhecimento geral, a data comemorativa oficial do surgimento de Goiânia é uma referência ao lançamento da pedra fundamental, realizado no então município de Campinas, no dia 24 de outubro de 1933. O dia do lançamento não foi escolhido por acaso, foi uma escolha política do interventor Pedro Ludovico Teixeira para homenagear a vitória da Revolução de 1930. 

Se Goiânia é fruto da “a compulsão psicológica da mudança nos homens da Revolução”, como afirmou o historiador Luís Palacin no livro “A Fundação de Goiânia e o Desenvolvimento de Goiás”, nada mais coerente do que atrelá-la aos símbolos do movimento político vitorioso. Aliás, a exploração simbólica do 24 de Outubro não é uma exclusividade de Goiânia, já que várias cidades brasileiras — Aparecida de Goiânia (GO), Porto Alegre (RS), Cuiabá (MT), Taguatinga (TO), Itareré (SP), Campo Grande (MS), além da própria Goiânia — possuem uma avenida com essa denominação.

Relacionar o mito de fundação de cidades a eventos históricos é uma prática relativamente comum. Brasília foi inaugurada no dia 21 de abril, porque Juscelino Kubitschek queria associar a nova capital brasileira ao movimento libertário da Inconfidência Mineira. A cidade de Palmas teve a sua pedra fundamental lançada no dia 20 de maio, em homenagem ao Manifesto pela criação do Tocantins, divulgado pelo juiz Feliciano Machado Braga, nessa mesma data do ano de 1956. 

Pedro Ludovico Teixeira, na sua fazenda em Rio Verde, com Joaquim Câmara Filho | Foto: Reprodução

O que não é muito comum é a circunstancial proximidade da data com o aniversário de Pedro Ludovico Teixeira, nascido no dia 23 outubro de 1891. Isso foi muito conveniente do ponto de vista político, já que a festa começava no dia do aniversário do líder político e continuava no dia seguinte, no aniversário da cidade que ele havia idealizado. E como Ludovico governou de maneira ininterrupta o Estado por cerca de 15 anos, a proximidade do seu aniversário veio fortalecer o dia 24 de outubro, como principal referência comemorativa simbólica a Goiânia.

Mas há outras datas de igual relevância simbólica para a comemoração do nascimento da cidade. Uma delas é o 23 de março, uma referência ao dia da transferência oficial da capital para Goiânia no ano de 1937. Pensando em termos práticos, a transferência da capital é uma data de mais consequência política do que a do lançamento da pedra fundamental, pois muitas cidades são fundadas, mas poucas são escolhidas com capital. Mas a data da transferência ficou manchada pela ignominia, pois, como ressaltou o historiador Jales Coelho Mendonça, no livro “A Invenção de Goiânia”, o fato não se fundamentou juridicamente num projeto de lei, votado na assembleia estadual, como seria natural numa democracia, mas num decreto unilateral do Executivo.

É que Pedro Ludovico estava enfrentando dificuldades em convencer os deputados a fazer a transferência da capital, sem fazer as devidas compensações à Cidade de Goiás. Nesta situação, preferiu “o direito da força” à “força do direito” para promover a transferência da capital.  Por tudo isso, o 23 de março perdeu o seu potencial de ser a principal efeméride comemorativa de Goiânia.

Contudo, Goiânia possui outra data muito importante do ponto de vista administrativo, mas que possui pouca visibilidade simbólica. É o dia 5 de julho, marco da inauguração oficial da cidade, ocorrida no ano de 1942. Nessa data, foi realizada uma série de festividades, denominada de Batismo Cultural, que visava apresentar a nova cidade para o Brasil e o mundo. Foi graças ao Batismo Cultural que foram construídos marcos materiais importantes para a nova capital, como o Teatro Goiânia, a Revista Oeste, o Monumento do Bandeirante e a utilização dos flamboyants para arborizar as ruas da cidade.

Mas, apesar do esforço por parte do governo, a inauguração da cidade não teve muita repercussão nacional. O ano de 1942 foi um dos mais decisivos da Segunda Guerra Mundial e a festa em Goiânia ficou ofuscada pela barbárie dos campos de batalhas. Getúlio Vargas não compareceu à solenidade e nenhuma outra pessoa de peso político e cultural reconhecido nacionalmente.  O I Congresso Nacional de Intelectuais, organizado pelos comunistas em fevereiro de 1954, com a presença de Pablo Neruda, foi mais importante do que o Batismo Cultural, no quesito de presença de gente ilustre.

Além do mais, Goiânia demorou demais para ser inaugurada — quase 11 anos depois do lançamento da pedra fundamental — o que permitiu que o 24 de Outubro fosse se consolidando na memória coletiva.  Por isso, diferente de Brasília e Belo Horizonte, cidades planejadas cuja comemoração do aniversário acontece no dia da inauguração, Goiânia preteriu essa data festiva.

Mas o 24 de outubro talvez seja mesmo mais coerente com a trajetória histórica da cidade. É uma data relacionada à utopia da Revolução de 1930 e muito próxima a data natalícia de Pedro Ludovico Teixeira. Além do mais, os flamboyants, árvore exótica ao cerrado, escolhida para embelezar as principais ruas da cidade, florescem em outubro. Como os seres humanos tendem a buscar sentido em fatos aleatórios para reafirmar suas preferências subjetivas, as flores de vermelho vivo e com muita presença poética, acabam corroborando aquilo que a intencionalidade política consolidou na memória coletiva.

Então, feliz aniversário Goiânia!

Ao evento compareceu cerca de 300 participantes, de diferentes Estados brasileiros, e nove delegações estrangeiras, incluindo a do Chile, cuja principal estrela foi o poeta Pablo Neruda. Seguindo esse diapasão, adotaram-se os seguintes objetivos secundários: evidenciar que o Congresso estava inserido na estratégia do PCB de tentar uma inflexão no seu dogmatismo cultural, marcada pela disputa do comando da Associação Brasileira de Escritores (ABDE); há uma data muito importante do ponto de vista administrativo que usualmente é utilizada como marco festivo.


Eliézer Cardoso de Oliveira

Graças ao Batismo Cultural que foram construídos marcos materiais importantes para a nova capital, como o Teatro Goiânia, a Revista Oeste, o Monumento do Bandeirante e a utilização dos flamboyants para arborizar as ruas da cidade.

A pergunta que serve como título desse artigo pode ser respondida com uma aparente simplicidade: simplesmente por Goiânia ter sido fundada no dia 24 de outubro de 1933. Contudo, nada é simples quando se trata dos acontecimentos históricos, principalmente um acontecimento complexo, como o surgimento de uma cidade planejada. Na verdade, o dia 24 de outubro é apenas uma data possível, dentre outras efemérides igualmente importantes, para a comemoração do aniversário da cidade, que este mês completa 90 anos de existência.

https://c0a2a41a9d7ed9e97d55c44e8aba8f4f.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-40/html/container.html

Como é de conhecimento geral, a data comemorativa oficial do surgimento de Goiânia é uma referência ao lançamento da pedra fundamental, realizado no então município de Campinas, no dia 24 de outubro de 1933. O dia do lançamento não foi escolhido por acaso, foi uma escolha política do interventor Pedro Ludovico Teixeira para homenagear a vitória da Revolução de 1930. 

Se Goiânia é fruto da “a compulsão psicológica da mudança nos homens da Revolução”, como afirmou o historiador Luís Palacin no livro “A Fundação de Goiânia e o Desenvolvimento de Goiás”, nada mais coerente do que atrelá-la aos símbolos do movimento político vitorioso. Aliás, a exploração simbólica do 24 de Outubro não é uma exclusividade de Goiânia, já que várias cidades brasileiras — Aparecida de Goiânia (GO), Porto Alegre (RS), Cuiabá (MT), Taguatinga (TO), Itareré (SP), Campo Grande (MS), além da própria Goiânia — possuem uma avenida com essa denominação.

Relacionar o mito de fundação de cidades a eventos históricos é uma prática relativamente comum. Brasília foi inaugurada no dia 21 de abril, porque Juscelino Kubitschek queria associar a nova capital brasileira ao movimento libertário da Inconfidência Mineira. A cidade de Palmas teve a sua pedra fundamental lançada no dia 20 de maio, em homenagem ao Manifesto pela criação do Tocantins, divulgado pelo juiz Feliciano Machado Braga, nessa mesma data do ano de 1956. 

Pedro Ludovico Teixeira, na sua fazenda em Rio Verde, com Joaquim Câmara Filho | Foto: Reprodução

O que não é muito comum é a circunstancial proximidade da data com o aniversário de Pedro Ludovico Teixeira, nascido no dia 23 outubro de 1891. Isso foi muito conveniente do ponto de vista político, já que a festa começava no dia do aniversário do líder político e continuava no dia seguinte, no aniversário da cidade que ele havia idealizado. E como Ludovico governou de maneira ininterrupta o Estado por cerca de 15 anos, a proximidade do seu aniversário veio fortalecer o dia 24 de outubro, como principal referência comemorativa simbólica a Goiânia.

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Mas há outras datas de igual relevância simbólica para a comemoração do nascimento da cidade. Uma delas é o 23 de março, uma referência ao dia da transferência oficial da capital para Goiânia no ano de 1937. Pensando em termos práticos, a transferência da capital é uma data de mais consequência política do que a do lançamento da pedra fundamental, pois muitas cidades são fundadas, mas poucas são escolhidas com capital. Mas a data da transferência ficou manchada pela ignominia, pois, como ressaltou o historiador Jales Coelho Mendonça, no livro “A Invenção de Goiânia”, o fato não se fundamentou juridicamente num projeto de lei, votado na assembleia estadual, como seria natural numa democracia, mas num decreto unilateral do Executivo.

É que Pedro Ludovico estava enfrentando dificuldades em convencer os deputados a fazer a transferência da capital, sem fazer as devidas compensações à Cidade de Goiás. Nesta situação, preferiu “o direito da força” à “força do direito” para promover a transferência da capital.  Por tudo isso, o 23 de março perdeu o seu potencial de ser a principal efeméride comemorativa de Goiânia.

Contudo, Goiânia possui outra data muito importante do ponto de vista administrativo, mas que possui pouca visibilidade simbólica. É o dia 5 de julho, marco da inauguração oficial da cidade, ocorrida no ano de 1942. Nessa data, foi realizada uma série de festividades, denominada de Batismo Cultural, que visava apresentar a nova cidade para o Brasil e o mundo. Foi graças ao Batismo Cultural que foram construídos marcos materiais importantes para a nova capital, como o Teatro Goiânia, a Revista Oeste, o Monumento do Bandeirante e a utilização dos flamboyants para arborizar as ruas da cidade.

Mas, apesar do esforço por parte do governo, a inauguração da cidade não teve muita repercussão nacional. O ano de 1942 foi um dos mais decisivos da Segunda Guerra Mundial e a festa em Goiânia ficou ofuscada pela barbárie dos campos de batalhas. Getúlio Vargas não compareceu à solenidade e nenhuma outra pessoa de peso político e cultural reconhecido nacionalmente.  O I Congresso Nacional de Intelectuais, organizado pelos comunistas em fevereiro de 1954, com a presença de Pablo Neruda, foi mais importante do que o Batismo Cultural, no quesito de presença de gente ilustre.

Além do mais, Goiânia demorou demais para ser inaugurada — quase 11 anos depois do lançamento da pedra fundamental — o que permitiu que o 24 de Outubro fosse se consolidando na memória coletiva.  Por isso, diferente de Brasília e Belo Horizonte, cidades planejadas cuja comemoração do aniversário acontece no dia da inauguração, Goiânia preteriu essa data festiva.

Mas o 24 de outubro talvez seja mesmo mais coerente com a trajetória histórica da cidade. É uma data relacionada à utopia da Revolução de 1930 e muito próxima a data natalícia de Pedro Ludovico Teixeira. Além do mais, os flamboyants, árvore exótica ao cerrado, escolhida para embelezar as principais ruas da cidade, florescem em outubro. Como os seres humanos tendem a buscar sentido em fatos aleatórios para reafirmar suas preferências subjetivas, as flores de vermelho vivo e com muita presença poética, acabam corroborando aquilo que a intencionalidade política consolidou na memória coletiva.

Então, feliz aniversário Goiânia!

Ao evento compareceu cerca de 300 participantes, de diferentes Estados brasileiros, e nove delegações estrangeiras, incluindo a do Chile, cuja principal estrela foi o poeta Pablo Neruda. Seguindo esse diapasão, adotaram-se os seguintes objetivos secundários: evidenciar que o Congresso estava inserido na estratégia do PCB de tentar uma inflexão no seu dogmatismo cultural, marcada pela disputa do comando da Associação Brasileira de Escritores (ABDE); há uma data muito importante do ponto de vista administrativo que usualmente é utilizada como marco festivo.

Por meio do Decreto Estadual n. 1.816, de 23 de março de 1937, a capital foi definitivamente transferida para Goiânia.

A cerimônia de lançamento da pedra fundamental de Goiânia, no município de Campinas, foi realizada no dia 24 de outubro de 1933, data escolhida para homenagear a Revolução de 1930.      Muito embora tenham se passado apenas três anos da eclosão da Revolução de 1930, Pedro Ludovico escolheu a data para associar a nova cidade simbolicamente a nova mentalidade advinda com a Revolução.

Eliézer Cardoso de Oliveira é professor da Universidade Estadual de Goiás.

Fonte: Jornal Opção

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